Conteúdo editorial fornecido por Estadão
Com a terceira maior população do mundo nas redes sociais, forte uso do WhatsApp e polarização política crescente, o Brasil é um terreno fértil para a guerra de desinformação online na campanha eleitoral para presidente, que deve acirrar ainda mais posições extremas e encolher o espaço de candidatos moderados nos embates que ocorrem no mundo virtual.
Pesquisas mostram que “notícias” distorcidas, com forte viés ideológico, muitas vezes ganham a disputa por espaço no Facebook com reportagens realizadas pelos meios de imprensa tradicionais. Sensacionalistas e hiperpartidárias, elas atraem mais cliques e tendem a viralizar mais rapidamente do que notícias produzidas por jornalistas que seguem procedimentos estabelecidos para apuração e checagem dos fatos.
O fenômeno não é exclusivo do Brasil, mas as características do País o transformaram em um dos principais focos de preocupação de Claire Wardle, que lidera o First Draft, um projeto da Universidade de Harvard dedicado ao combate global de informação falsa ou distorcida na era digital.
Além do uso intensivo das redes sociais, 120 milhões de brasileiros se comunicam por WhatsApp, onde notícias falsas ou tendenciosas circulam imunes a qualquer tentativa de checagem de sua veracidade. Wardle disse que o quadro é completado pela facilidade de contratação de pessoas com baixos salários para atuarem como robôs na propagação de relatos distorcidos, tendenciosos ou falsos.
“O Brasil tem características que o tornam muito vulnerável ao que eu chamo de desordem da informação”, disse a pesquisadora, que rejeita o uso da expressão “fake news” para descrever o fenômeno. Segundo ela, o First Draft discute cooperação com meios de imprensa tradicional para combater a desinformação durante a campanha. No ano passado, a organização liderou iniciativas semelhantes nas eleições da França e da Inglaterra.
O impacto mais imediato da “desordem” apontada por Wardle é sobre a habilidade dos eleitores de tomarem decisões com base em informações de qualidade. Mas a longo prazo, ela teme que esse movimento leve a uma descrença generalizada no sistema democrático. “Se temos campanhas de desinformação que minam a confiança em instituições e confundem a população, isso acaba levando as pessoas a não saberem em quem confiar. Elas se distanciam da mídia convencional, deixam de confiar nos políticos tradicionais e passam a confiar apenas nos amigos e familiares.”
Bolha do WhatsApp
Professor da Escola de Jornalismo da Universidade do Texas, em Austin, Rosental Calmon Alves disse que os brasileiros “abraçaram” como poucos as mídias sociais e criaram redes sociais privadas no WhatsApp, onde informações falsas e distorcidas circulam sem restrição. “Na bolha do WhatsApp não há instituições ou pessoas dedicadas a caçar mentiras.” Em sua opinião, grande parte das eleições deste ano serão definidas nas redes sociais, em um ambiente no qual a ameaça da desinformação é “enorme”.
Dados do Digital Global Overview Survey mostram que os brasileiros gastam, em média, 3h40 online, número que só é inferior às 4h20 registradas nas Filipinas.
“Junk news” (notícias-lixo) é a expressão preferida por Fábio Malini para se referir às informações enviesadas disseminadas por sites que estão nos extremos do espectro ideológico. Coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo, ele diz que as “junk news” costumam gerar duas vezes mais compartilhamentos no Facebook do que as notícias da imprensa tradicional.
“As junk news proliferam em um ambiente de polarização, de ódio político mútuo”, observou Malini. Segundo ele, esse cenário favorece os representantes dos extremos ideológicos.
O filósofo Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo, adota a expressão “informação de combate” para falar da proliferação de dados distorcidos na internet.
“É uma mídia hiperpartidária, que apresenta informações de combate político em formato noticioso, mas o conteúdo é tendencioso, tirado de contexto ou pura especulação.” Esse hiperpartidarismo aprofunda a polarização, em um círculo vicioso, disse Ortellado.
FBI
Neste mês, agentes do FBI vêm ao Brasil para falar sobre o combate à desinformação nas eleições à força-tarefa criada pelo Tribunal Superior Eleitoral e a Polícia Federal. A interferência russa na eleição do presidente Donald Trump é apenas um aspecto desse movimento. Os EUA têm inúmeros sites que disseminam teorias conspiratórias ou dados distorcidos, muitos retuitados até por Trump. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.