Por Folhapress
Antes mesmo de ser divulgada, a nova meta climática nacional que está sendo elaborada pelo governo brasileiro tem gerado burburinho.
Na última semana, ONGs divulgaram propostas para que a próxima NDC (contribuição nacionalmente determinada, jargão da ONU para meta climática) seja ambiciosa, com grandes cortes nas emissões de gases de efeito estufa.
Ao mesmo tempo, uma carta assinada por 13 empresários do agronegócio direcionada à chefia da Secretaria Nacional de Mudanças do Clima do MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima), a que a Folha teve acesso, questiona o compromisso já assumido pelo Brasil de zerar o desmatamento até 2030.
“Ainda não conseguimos entender como pretendem cumprir o fim do desmatamento legal quando sequer o ilegal está equacionado”, diz o texto, que afirma, ainda, que a promessa de acabar com o desmate legal e ilegal “gera enorme resistência do setor agropecuário em apoiar as estratégias no âmbito do Plano Clima [Plano Nacional sobre Mudança do Clima, que deve ser lançado no próximo ano]”.
O desmatamento esponde por metade das emissões brasileiras, seguido das atividades agropecuárias, que representam 27% do total, de acordo o Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa).
A movimentação dos diferentes atores se dá porque, marcando os dez anos do Acordo de Paris, os países signatários têm até fevereiro para apresentar novas NDCs —que devem obrigatoriamente trazer compromissos para 2035 e avançar os planos atuais.
Hoje a meta climática do Brasil é emitir no máximo 1,3 bilhões de toneladas líquidas de gases de efeito estufa (GtCO2e) em 2025 e 1,2 GtCO2e em 2030. Em documento enviado no ano passado à UNFCCC (braço climático das Nações Unidas), o governo Lula também ressaltou que até o final da década não haveria mais qualquer desmatamento no país.
O Brasil emitiu 2,3 bilhões de toneladas brutas de gases-estufa (GtCO2e) em 2022, segundo o Seeg. Considerando as emissões líquidas —ou seja, descontando remoções de carbono feitas por florestas regeneradas e áreas protegidas— o total fica em 1,7 GtCO2e.
Ainda de acordo com o Seeg, se o desmate da amazônia continuar caindo no mesmo ritmo de 2023, é possível cumprir a promessa já assumida.
AMBIÇÃO PARA CONTER AUMENTO DA TEMPERATURA
Para o Observatório do Clima, rede que reúne mais de uma centena de organizações ambientais, a nova NDC brasileira deveria avançar significativamente e se comprometer com um limite de 200 milhões de toneladas líquidas até 2035. Isso significa um corte de 92% das emissões em relação a 2005, quando o país emitiu 2,4 GtCO2e (a data é usada como referência nas metas climáticas).
“A proposta que a gente fez é, de fato, hiper ambiciosa. Mas ela precisava ser hiper ambiciosa”, afirma o coordenador de política internacional da entidade, Claudio Angelo.
Os cortes de emissões viriam, entre outros pontos, de uma grande queda no desmatamento (limitado a 100 mil hectares por ano a partir de 2030), da redução do uso de combustíveis fósseis em 42% (80% do carvão mineral, 42% do gás natural e 38% dos derivados de petróleo) e da melhoria da gestão de resíduos.
A conta também inclui a remoção de 505 milhões de toneladas líquidas de emissões por mudanças no uso da terra, por exemplo, pela regularização de propriedades rurais em desacordo com o Código Florestal. Segundo o documento, esse passivo é de 21 milhões de hectares de cobertura vegetal que precisam ser restaurados.
O número considera, ainda, uma quantidade significativa de remoções de carbono (-560 milhões de toneladas líquidas) pelo solo, por meio de uma forte expansão da agropecuária de baixa emissão. Esse tipo de captura de carbono não entra na conta do país hoje.
Isso tudo para alcançar uma NDC compatível com frear o aquecimento global em 1,5°C até o final do século, na comparação com índices pré-industriais (1850-1900). A marca é considerada essencial para evitar as consequências mais drásticas das mudanças climáticas.
O think tank Instituto Talanoa, que é uma das instituições que assina a proposta de NDC lançada pelo Observatório do Clima, também divulgou propostas próprias para a nova meta. O documento não crava números específicos, mas destaca a importância de o compromisso ser compatível com o balanço global de emissões finalizado em 2023.
Ele aponta que o planeta caminha para um aumento de mais de 2,4°C na temperatura média até o final do século. Para conter essa escalada em 1,5°C, seria necessário reduzir as emissões globais em 43% até 2030 e em 60% até 2035 (em comparação a 2019).
No Brasil, isso significaria um limite de 976 milhões de toneladas de emissões para 2030 e 685 milhões para 2035, segundo o Talanoa.
O documento defende que executar uma NDC compatível com o 1,5°C não imporia sacrifícios à economia, especialmente se a meta incluir compromissos sólidos de adaptação (medidas de prevenção a eventos climáticos extremos). Um deles seria, a partir de 2025, condicionar todos os investimentos públicos à avaliação de riscos climáticos.
“É muito importante levar em conta que o custo da inação é muito maior que o custo da ação. Ele que está impondo sacrifícios”, afirma a presidente do Talanoa, Natalie Unterstell.
GOVERNO DIZ QUE ESTÁ OUVINDO TODOS OS SETORES
Desde que lançou a sua candidatura para sediar a COP30, a conferência do clima da ONU que acontece em 2025, em Belém, o governo Lula tenta se posicionar como liderança global nesta pauta. No ano passado, o Itamaraty chegou a anunciar que o país seria o “paladino do 1,5°C”.
Segundo o MMA, a atual meta climática brasileira (para 2025 e 2030) já é compatível com este cenário e a nova deve seguir a mesma linha.
Há expectativa de que o texto seja divulgado na COP29, em novembro, justamente para servir de exemplo a outros países. Mas a secretária nacional de Mudanças do Clima, Ana Toni, garante apenas que o documento será entregue dentro do prazo estipulado pela ONU —ou seja, até fevereiro.
Toni afirma que as propostas das ONGs fazem parte dos insumos que o governo tem recebido de diversas frentes para a elaboração da nova meta e afirma que há engajamento grande de todos os setores.
“Eu não acho que ninguém mais questiona as metas que estão aí, que vão ser colocadas. É muito mais um debate do como. Como é que chega? Quanto custa? Quem entra primeiro?”, diz.
Porém, o próprio governo federal, sobretudo o Ministério de Minas e Energia, vem aumentando investimentos em combustíveis fósseis, ao ampliar os incentivos ao gás e defender a abertura de uma nova fronteira de exploração de petróleo na margem equatorial brasileira. Segundo a Agência Internacional de Energia, para conseguir zerar as emissões líquidas globais até 2050 (o que é chave para salvar o plano do 1,5°C), nenhum novo projeto de extração de energia suja deve ser autorizado.
Direcionada à secretária, a carta dos empresários do agronegócio também demonstra resistência do setor. A manifestação foi motivada pelo cancelamento de uma reunião que Ana Toni teria com os representantes do agro na última segunda (2), em São Paulo.
O texto diz que o agro depende do clima e é “o primeiro a sofrer com o que já vem ocorrendo”, mas que é preciso “cautela na ampliação de ambições”.
“Ao invés de ampliarmos os compromissos do setor agro em termos de redução de emissão, devemos avançar em estratégias e propostas para fortalecimento da agenda de adaptação. Atualmente tal agenda está totalmente defasada, vide por exemplo, os escassos recursos para o seguro rural”, diz o documento.
A carta é assinada por Aline Locks, André Nassar, André Schwening, Cristiano Rodrigues, Fabiana Alves, Fernando Sampaio, João Adrien, Jose Carlos Fonseca, Luis Roberto Barcelos, Marcello Brito, Paulo Hartung, Pedro de Camargo Neto e Sergio Bortolozzo.
Em nota, o Ministério do Meio Ambiente diz que a reunião em questão foi cancelada devido à convocação, pela Presidência da República, de agenda para o mesmo dia e que o encontro foi remarcado para a próxima semana.
“Dialogar com lideranças do setor tem sido prioridade para o governo brasileiro na formulação do Plano Clima”, diz o comunicado, garantindo que o plano para o setor prevê tanto ações de mitigação quanto de adaptação climática.