Dispara número de educadores que pensaram em se afastar devido à saúde mental

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por Patricia Pasquini | Folhapress

(Tânia Rêgo/Agência Brasil)

O número de profissionais de educação que pensou em se afastar do trabalho por problemas de saúde mental disparou este ano. Essa alta coincide com o retorno das aulas presenciais, depois de quase dois anos de escolas fechadas devido à pandemia de Covid-19.

Os dados fazem parte de um novo levantamento realizado pelo Instituto Ame Sua Mente e pela Nova Escola, organização social que atua para apoiar professores da educação básica.

A pesquisa foi realizada de 15 a 30 de agosto de maneira online com 5.203 profissionais da educação pública e privada —entre professores, coordenadores pedagógicos e diretores de escola.

No total, 34,6% dos entrevistados afirmaram que pensaram em se afastar do trabalho por questões de saúde mental. No ano passado, quando as atividades ainda estavam sendo realizadas majoritariamente de maneira online, o número tinha sido de 14,2%.

Além disso, três de cada cinco profissionais disse que pensou em se afastar do trabalho este ano por algum motivo —como a pergunta não tinha sido feita na edição de 2021, não é possível compará-la.

Esse aumento de profissionais pensando em se afastar por questões mentais depois do pico da pandemia já era esperado, diz a pesquisadora do Ame Sua Mente Clarice Madruga.

“O impacto de fenômenos traumáticos na saúde mental ocorre em diferentes níveis, tanto imediatamente após a sua ocorrência mas também a longo prazo, quando os recursos para lidar com a crise atenuam, muitas vezes dando espaço para a manifestação de prejuízos psicológicos mais profundos”, explica.

Sete de cada dez profissionais que responderam a pesquisa afirmaram que não receberam qualquer tipo de apoio para saúde mental.

Para a pedagoga Ana Ligia Scachetti, diretora da Nova Escola, os impactos da pandemia ainda estão presentes, e 2022 é o ano em que mais se sente o cansaço dos professores.

“O retorno para o presencial veio carregado de questões ligadas ao fato de que por dois anos houve pouca interação. Isso gera em todos quadros de ansiedade e depressão”, diz.

“É preciso garantir o apoio psicológico dos professores, coordenadores e diretores, olhar para as questões individuais, garantir que a comunidade escolar se prepare para lidar com elas, criar espaços voltados à reflexão e para que as pessoas possam falar o que sentem. Não é possível zelar pela educação do país, sem zelar pela saúde deles. Esses profissionais precisam de apoio e ferramentas para que as crianças tenham as melhores condições de aprendizagem”, completa Scachetti.

De 2020 para 2021, o percentual de educadores que avaliaram a própria saúde mental como ruim ou muito ruim tinha caído de 30,1% para 13,7%. Em 2022, o indicador subiu para 21,5%.

O índice dos que qualificaram sua saúde mental boa ou excelente teve variação semelhante. Em 2020, ele era de 26%; em 2021, subiu para 47,8%; e agora em 2022, caiu para 33,3%.

Para Vanessa Silva, coordenadora do curso de pedagogia da FMU, a baixa remuneração e a carga excessiva de trabalho também são fatores que influenciam na saúde mental dos profissionais da área.

“No caso do professor, quando o exercício da profissão não é somente no momento em que você está em sala de aula, mas há muitas atribuições extraclasse, ele trabalha com uma carga muito maior do que aquela que está contratado. O professor mal remunerado trabalha em várias escolas ou em uma única instituição numa carga horária muito alta. O profissional fica sem tempo para cuidar de si e isso traz o esgotamento”, diz Silva.

Do total de entrevistados, 17,6% afirmaram que não se sentem preparados para lidarem com a saúde mental dos estudantes e 52% nunca participaram de uma capacitação sobre o assunto. Outros 10,4% estão despreparados para lidarem com a própria saúde mental.

Jane de Souza Melo, 56, conta que nos últimos dois anos teve que conviver com a insegurança devido ao fechamento das escolas. Ela é professora do segundo ano do ensino fundamental na Escola Municipal do Ensino Básico Antonio Bernardino Corrêa, em Ferraz de Vasconcelos (na Grande São Paulo).

“Eu me sentia insegura em tudo o que fazia. Com o passar do tempo, não conseguia mais controlar a minha ansiedade, que apareceu durante as aulas online. Queria que meus alunos tivessem o mesmo crescimento e a aprendizagem como no presencial”, conta Melo.

O levantamento mostrou que 14% dos profissionais de educação consideram que a pandemia de Covid-19 piorou muito a sua saúde mental, enquanto 10,3% acharam que ela melhorou bastante.

No caso de Souza, ela foi buscar formas de tratamento. Entre outras coisas, abriu um canal na internet no qual ensinou crochê por cerca de um ano. Também buscou cursos de informática na área da educação, além de ajuda médica.

“Fui a um clínico geral que me atende há muitos anos. Estava no limite do estresse”, relata. Nos dias de hoje, permanece a ansiedade. Ela também apontou dores pelo corpo como consequência.

O levantamento também mostrou que praticar atividade física ou ao ar livre é a estratégia para 40,4% dos educadores cuidarem da saúde mental. Apoio familiar e dos amigos é a solução para 36,8%.

Cuidados com a alimentação (33%) e o sono (25,5%), participação em grupos religiosos (29,1%), psicoterapia ou tratamento psiquiátrico (20,5%), e prática de terapias alternativas (10%) também apareceram nas respostas.