Após a ocupação da fazenda Igarashi no dia 02 de novembro, e a grande manifestação, onde reuniu gente de todo Oeste da Bahia no último dia 11 em defesa dos trabalhadores ribeirinhos, que no ato espontâneo e de desespero ocuparam a fazenda, fazendo justiça com as próprias mãos, na defesa do cerrado e dos recursos hídricos da região.
Nossa equipe do Notícias da Lapa conversou com representações da região e pesquisou o contexto por trás dos protestos. O discurso é de denúncia: “o descaso das representações políticas e jurídicas do Estado, diante do contexto agrário do Oeste da Bahia, onde os interesses do agronegócio sempre prevaleceram sobre os direitos das populações geraiseiras”, diz um entrevistado.
Os últimos acontecimentos em Correntina tocaram em pontos importantes da realidade agrária e hídrica da região, chamando as representações públicas para um novo debate, mostrando a realidade, o denunciado descaso histórico no município de Correntina e em todo Oeste.
Bispos em defesa das águas
Conforme apresentações feitas por lideranças sociais e técnicos, no dia 22 de novembro, durante o I Encontro dos Bispos da Bacia do São Francisco, mostrou o mapa dos conflitos na Bahia, catalogados pelo Grupo de Pesquisa Geografar com base no levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o número de casos envolvendo terra, água e trabalho são alarmantes. Onde o Oeste baiano tem o maior número de conflitos, de 1985 a 2016, e o município de Correntina ganha maior destaque, com 41 conflitos nos últimos 32 anos, sendo o município com mais reincidencias.
“Essa região depois que os grandes investimentos chegaram aqui, financiados pelo Estado, mudou toda lógica vivenciada pelo povo, impôs um modelo, grilou terras, expulsou gente de suas terras, ameaçou e até matou lideranças”, disse um dos agricultores que participava da manifestação no último dia 11 de novembro, quando mais de 10 mil pessoas fizeram um ato em defesa das águas, em Correntina.
Pesquisa aponta que conflitos na região são antigos
Uma pesquisa acadêmica realizada no ano de 2016 por um estudante do Curso de Ciências Biológicas da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Departamento de Ciências Humanas, Campus IX /Barreiras, apresenta várias informações sobre esse conflito, que é histórico.
Morte de Eugênio Lira
Uma das mortes que mais causou revolta na região, foi o assassinato do Advogado Eugênio Lira, ocorrido no dia 22 de setembro de 1977, por se colocar em defesas dos poceiros da região de Santa Maria da Vitória. O fato aconteceu um dia antes da sua ida para Salvador onde iria depor na CPI de Grilagem de Terra envolvendo a região Além São Francisco, Oeste da Bahia.
Comunidade indígena ameaçada
O estudo também apresenta fatos recentes, como no ano de 2011 no município de Cocos, onde mais uma ação do agronegócio e dos grandes projetos de barragens deixou em condição de aflição uma comunidade indígena. Lá a “inspetoria da Policia Federal, produziu documentos investigatórios sobre homens armados que faziam a proteção em propriedades na região. A Polícia Federal (PF) aponta ação de fazendeiros armados contra povos da etnia Xakriabás. De acordo com a investigação existe ainda a suspeita de fraudes na suposta documentação apresentada pelos grandes latifundiários que buscam expulsar esses povos desse espaço”, diz.
“Judiciário” questionado por prisões de lideranças sociais
A pesquisa da Uneb mostra como o “judiciário” agiu historicamente de forma questionável, quando prendeu representações sociais em Santa Maria da Vitória. “As prisões de João Cerrano Sodré, presidente do STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade de Santa Maria da Vitória – BA e Marilene de Jesus Cardoso Matos, Educadora Social da CPT, no dia 25 de março de 2010, como represália à atuação de ambos e das entidades que representam na luta contra a grilagem de terraz e pela sobrevivência das comunidades de Fundo e Fecho de pasto no Estado. A razão das prisões foi o envio e repercussão de um ofício assinado pela CPT e pelo STR à Ouvidoria Agrária Nacional (MDA) e à Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA) denunciando ações de ameaças e depredações”, destaca.
O documento aponta que “esse juiz foi o mesmo responsável por uma ação contra os posseiros e pequenos agricultores em 2008, no momento em que a Coordenadoria de Desenvolvimento Agrário do Estado da Bahia (CDA) começou a verificar se as terras de propriedades de grandes fazendeiros da região eram ou não griladas e a regularizar as terras dos posseiros”, frisa.
Conflito em Arrojelândia
A pesquisa ainda apresenta um histórico de um dos principais conflitos já vivenciados pelo município de Correntina. “A comunidade de Arrojelândia no município de Correntina – BA, a margem esquerda do rio Arrojado, composta por 226 famílias de povos tradicionais, presentes nos gerais desde a década de 40 do sec. XX. Inseridas em uma região que sofre pressão dos grandes empreendimentos, em especial de uma empresa chamada Planta 7 Empreendimentos Rurais LTDA, que desde 1982 pressionam essas 226 famílias a deixarem seu lugar”.
Traz também o desafio dos movimentos sociais na região diante das ações dos grandes projetos. “No ano de 2011 grupos de ribeirinhos do rio Formoso das comunidades atingidas por barragens dos municípios de Jaborandi e Coribe realizaram várias vigílias em áreas de camponeses que estavam ameaçadas por decisões judiciais, as quais autorizaram o início de levantamento topográfico na região pela empresa Data Traficc, responsável por projetos de Pequenas Centras Hidrelétricas (PCHs) na região do Arrodeador”, frisa.
Ocupação e concentração de recursos naturais
A pesquisa mostra que desde a década de 1970 a região Oeste da Bahia vem ocupando lugar de destaque no modelo de concentração dos recursos naturais no cenário nacional, por oferecer condições de crescimento do capital agrícola nacional e internacional. “Esse processo tem elevando o nível de disputa política, econômica e territorial entre os grandes latifundiários e os povos tradicionais. Rupturas que tem levado a desapropriação de muitos trabalhadores, assassinatos e o aumento do êxodo rural e degradação dos recursos hídricos em função do modelo de produção.
Ações da Secretaria de Meio Ambiente
O documento ainda aponta que as últimas ações da Secretaria de Meio Ambiente do Estado, tem legitimado o modelo econômico e colocado em risco toda a região. “Prova disso é o Decreto 15.682/14, representando os interesses do agronegócio e esbarra frente a luta dos movimentos sociais e dos povos geraizeiros/as. Ações que acabam com o licenciamento ambiental de atividades agropecuárias e à gestão de águas do Estado. Criado a partir do novo Código Florestal, o Cadastro Estadual Florestal de Imóveis Rurais (CEFIR), mecanismo polemico que tira dos órgãos ambientais a função do cadastro rural. Nessa lógica, é o proprietário que se cadastrare quem também declara se há passivo ambiental a recuperar na propriedade, pela lógica a fiscalização é o próprio proprietário quem faz, justificada no momento da apresentação da propriedade no cadastro. Essas mudanças deixam claro que o modelo da atual gestão não está preocupado com o gerenciamento dos recursos ambientais no território baiano, em especial no Oeste da Bahia”, conclui.
Realidade dos conflitos: agricultores, pistoleiros e mais prisões questionadas
Essa realidade de conflito, segundo as representações sociais é grande na região, especialmente envolvendo a questão agrária, a luta pelo direito da permanência na terra. Um fato mais recente aconteceu no início de 2017, no município de Serra Dourada, no Oeste da Bahia, onde uma comunidade, conhecida por Porteira de Santa Cruz, acostumada a utilizar a área de Fecho de Pasto, sobre terras públicas devolutas do estado da Bahia, sofreu uma grande investida de grileiros, se fazendo de fazendeiros, segundo a CPT. Que levou ao confronto entre pistoleiros e agricultores, levando a prisão de cinco trabalhadores, ficando detidos por 20 dias na cadeia pública de Baianópolis-BA.
“A prisão é arbitrária, pois não houve mandado judicial, e autoritária, pois retirou os agricultores do seio da comunidade, sendo alguns retirados de dentro de suas casas, mostra como vem se dando a criminalização de comunidades tradicionais e movimentos sociais no Brasil atualmente”, afirmou uma nota da CPT.
Conforme as representações na época, o conflito aconteceu por conta da ausência do Estado a atender as demandas da comunidade para a Regularização Fundiária fez com que o conflito tomasse estas proporções, tirando do convívio de suas famílias os cinco agricultores.
Os movimentos sociais articulam novos protestos e o governo se abre ao diálogo. Será o fim dos conflitos?