O desafio de viver a complexidade humana
Por: *Zenilda Correia Martins
O desafio de viver a complexidade humana O ser humano é complexo e traz em si características opostas. Às vezes nem conhecemos essa complexidade, outras vezes nem percebemos que deixamos adormecidos por muito tempo características que nos tornariam muito diferentes do que estamos sendo e, nos favoreceria outra forma de viver. Edgar Morin no livro Os setes saberes necessários à educação do futuro destaca que o mesmo ser humano da racionalidade é também o da afetividade; é do trabalho, mas é também do jogo, da brincadeira. O ser humano prosaico é também o da poesia. O empírico é também o imaginário. Essas características bipolarizadas exigem, portanto, que saibamos buscar o equilíbrio em todos os momentos de nossas vidas e administrar os opostos de forma que, mesmo se em algumas ações é necessário, por exemplo, que predomine a racionalidade, é preciso considerar que também somos o ser da afetividade.
Administrar cotidianamente a bipolaridade dessas características humanas é o grande desafio. Muitas vezes na nossa rotina, na vivência cotidiana, somos sempre, e apenas, o ser humano do trabalho, empírico, prosaico. Desejamos que a vida de nossas crianças seja permeada de ludicidade e, até empenhamos para garantir no seu espaço diário o tempo para a brincadeira e para o jogo, mas não fazemos o mesmo esforço para garantir aos adultos um pouco dessa ludicidade. Assim, para os adultos predomina quase que totalmente, o oposto: o ser do trabalho. E essa realidade de trabalhador quase sempre se vincula ao empírico e ao prosaico, de forma que o ser da ludicidade, do imaginário e da poesia fica quase sempre adormecido.
Vários fatores são responsáveis por essa realidade, a começar pela estrutura capitalista que determina quase toda a nossa forma de viver. É o ter que sobrepõe ao ser. Assim uma grande maioria, desfavorecida pela condição injusta de concentração econômica, é obrigada a uma luta interminável para tentar alcançar apenas o essencial para a sobrevivência. Outros, totalmente à margem da sociedade, não possuem nem condições para buscar o mínimo necessário para uma vida humana e, consequentemente, nem são considerados por grande parte dessa mesma sociedade como seres humanos. E outros na luta incansável de ter muito e muito mais, baseado na convicção de que ter é ser, dispensa todo o seu tempo e suas forças para a acumulação de capitais.
Também movidos por esse sistema econômico os currículos e as práticas escolares estão voltados para a formação do ser humano totalmente trabalhador, empírico e prosaico. É preciso sim que o processo de escolarização cumpra com o seu papel de trabalhar as particularidades das diversas ciências, mas é necessário que se considere e valorize também a diversidade que o ser humano estudante, carrega consigo. Esses aspectos econômicos também prevalecem nas práticas religiosas que buscam fortalecer a ideia de uma realização pessoal que se resume ao sucesso econômico. Assim, pregam um Deus totalmente capitalista e Ele é tido como Aquele que pode favorecer suas benesses materiais.
Nesse contexto, é sempre posto o desafio de conhecer, considerar e valorizar a complexidade humana: faber e ludens (trabalhador e lúdico), empiricus e imaginarius (empírico e imaginário), prosaicus e poeticus (prosaico e poético), como afirma Edgar Morin. Mesmo que aspectos sociais amplos influenciam e determinam a vida do ser humano, é possível viver essa complexidade que trazemos conosco. E podemos começar por fazer alguns questionamentos: Quais dessas características predominam em minha vida? Essa realidade corresponde aos meus anseios? Em que dimensão desejaria que fosse diferente? E assim aprender a conviver com o ser humano complexo.
*Zenilda Correia Martins é graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB e Especializada em Formação Socioeconômica do Brasil.
Ótimo texto! Gostei da ideia de trazer essa discussão para o site! Parabéns!
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