Um em cada três municípios brasileiros não consegue gerar receita suficiente sequer para pagar o salário de prefeitos, vereadores e secretários. O problema atinge 1.872 cidades que dependem das transferências de Estados e da União para bancar o custo crescente da máquina pública, segundo levantamento da Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan). Alguns desses municípios foram criados após a Constituição de 1988, que facilitou esse movimento, e ainda não conseguiram justificar sua emancipação. Essa falta de autonomia financeira, porém, não impediu que voltasse ao Congresso um projeto de lei que permite a criação de 400 novos municípios.
Hoje, a situação mais grave está em cidades pequenas, que não têm capacidade de atrair empresas – o que significaria mais emprego, renda e arrecadação. Em geral, contam com um comércio local precário e, para evitar a impopularidade, as prefeituras cobram poucos impostos. Há cidades em que o IPTU só começou a ser cobrado depois que a crise apertou.
O levantamento da Firjan mostra que, em média, a receita própria das cidades com população inferior a 20 mil habitantes é de 9,7% – ou seja mais de 90% da receita vem de transferências públicas. Em alguns casos, a receita própria do município é praticamente zero, como verificado em Mar de Espanha (MG), Olho D’Água do Piauí (PI) e Coronel Ezequiel (RN).
Segundo a Firjan, que analisou o balanço anual entregue pelas prefeituras à Secretaria do Tesouro Nacional, essas cidades – que não se pronunciaram – não conseguem gerar receita para cobrir nem 0,5% das despesas com a máquina pública. “Três décadas após a Constituição, o quadro que vemos é de total desequilíbrio entre o volume de receitas e a geração de arrecadação própria na grande maioria das prefeituras brasileiras”, afirma o coordenador de Estudos Econômicos da Firjan, Jonathas Goulart Costa.
Ele pondera ser natural que a gestão do atendimento ao cidadão consuma parte dos recursos municipais, uma vez que os governos precisam planejar e administrar as contas. Mas, no ritmo de hoje, esses gastos estão consumindo recursos que poderiam ir direto para a prestação de serviços aos moradores. Na média, os gastos com a máquina pública, que incluem funções administrativas e legislativas, consomem 21,3% do orçamento dos municípios com menos de 5 mil habitantes – equivalente à despesa com educação.
O presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Glademir Aroldi, diz ser contra a criação de municípios que não tenham condições de atender à população. “Mas em alguns locais há espaço para criação de novas cidades”, diz. O projeto de lei que permitiria a emancipação foi reprovado no governo Dilma Rousseff, mas voltou ao Congresso.
Nem a água chegou
Criada em 2013, Pescaria Brava (SC) é a cidade mais nova do País. Algumas ruas ainda não têm placa e as casas, até bem pouco tempo, não tinham número. Hospital, só nos municípios vizinhos, como Laguna e Tubarão. Os 10 mil habitantes também não têm água tratada. Mas ganharam um banco cooperativo, uma delegacia de Polícia Civil e um posto da Polícia Militar. Tirando isso, dizem os moradores, pouca coisa mudou.
Atender às expectativas da população acabou ficando em segundo plano com o município na mira do Tribunal de Contas do Estado (TCE) por descumprir as regras de responsabilidade fiscal. Das quatro contas avaliadas, três foram rejeitadas pela Corte, que viu grave desequilíbrio fiscal nas finanças do município. “Uma das maiores dificuldades é que a cidade abraçou um número muito grande de servidores”, diz o diretor de controle dos municípios do TCE, Moisés Hoegenn. “No segundo quadrimestre de 2016 os gastos com pessoal chegaram a 85,59%, e o limite é 54%.”
De lá para cá, houve uma melhora, mas até o primeiro quadrimestre deste ano os gastos ainda estavam acima do permitido. O prefeito Deyvisonn da Silva de Souza (MDB), que assumiu a cidade em 2017, garante que hoje as contas já estão no azul, mas admite que muita coisa precisa mudar para melhorar a vida dos bravenses. Uma dessas mudanças já pesou no bolso dos moradores, que começaram a pagar IPTU este ano. “É uma forma de elevar a receita própria”, diz o prefeito, que tem planos de criar um distrito industrial no município, cortado pela BR-101. “Agora a cidade começa a ter uma cara de cidade”, diz Souza.
A principal vocação econômica de Pescaria Brava é a agricultura, com destaque para o cultivo de mandioca. Há alguns anos a pesca – que deu nome à cidade – deixou de ser a principal fonte de renda dos moradores. Desde a emancipação, a cidade ganhou um banco cooperativo, uma delegacia de Polícia Civil e um posto da Polícia Militar.
“A praça está mais limpa, temos banco perto, uma lotérica, mas ainda falta muito para a cidade se desenvolver”, diz uma moradora que pediu para não ser identificada. No posto de saúde do bairro, o médico atende só uma vez por semana. Em casos mais graves, como não há hospital, é preciso ir para as cidades vizinhas.
Para o comerciante Nilson Borges, de 49 anos, a falta de saneamento básico é o principal problema do município. “Achamos que isso mudaria quando virássemos cidade. Mas, por enquanto, continuamos enfrentando problemas com a água. Como não é tratada, usamos ela para o básico. Água para beber, só comprando.”
A prefeitura afirma que deve assinar em breve um contrato com a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan). “Nesse contrato, eles ficarão responsáveis pela exploração da água por 25 anos. Também estamos negociando com eles um contrato de coleta e tratamento de esgoto”, diz o prefeito.
Minas
Veterana perto de Pescaria Brava, a cidade de Consolação, no interior de Minas, até hoje não conseguiu sair das barras do Estado e da União. “Hoje vivemos uma situação caótica, já que o governo do Estado está deixando de repassar verbas”, afirma o prefeito da cidade, Maurílio Marques. O município, de 55 anos e com 1.807 habitantes, depende das transferências governamentais para pagar as despesas e conta com emendas parlamentares para investimentos.
O IPTU cobrado da população alcança 800 imóveis. Cerca de 30% da cidade está isenta do imposto. A economia é baseada no comércio, formada por bares, quitandas e duas pensões, além da agropecuária. “Mas não gera arrecadação”, diz o prefeito. A cidade tem apenas um posto de saúde. Para casos mais graves, é preciso percorrer 20 km até o hospital da cidade vizinha, com o qual a prefeitura tem convênio. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.