Fonte: Folhapress
O STF (Supremo Tribunal Federal) já arquivou ou baixou para a primeira instância mais da metade dos inquéritos abertos com base na delação da Odebrecht, anunciada como a “delação do fim do mundo” que viria a comprometer dezenas de parlamentares com foro especial.
De 83 inquéritos analisados pela Folha de S.Paulo decorrentes da delação da empreiteira, 49 (ou 59% do total) não estão mais no Supremo: 22 foram arquivados, a maioria por falta de provas, e 27 desceram para o primeiro grau, a maior parte para a Justiça Eleitoral, e não criminal.
Nos casos de remessa, os ministros aplicaram o novo entendimento da corte, firmado em maio deste ano, que restringiu a prerrogativa de foro perante o STF a supostos crimes cometidos no cargo e em razão dele.
Muitos fatos delatados sobre parlamentares eram de antes de eles se elegerem.
Das 22 investigações da Odebrecht que o Supremo arquivou, ao menos 13 não encontraram provas que corroborassem os relatos dos delatores, segundo o entendimento dos ministros.
Foram, por exemplo, os casos do senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), suspeito de ganhar R$ 800 mil da empreiteira por meio de caixa dois, e do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), futuro ministro da Casa Civil do governo de Jair Bolsonaro (PSL), acusado por ex-executivos de receber R$ 175 mil não declarados na eleição de 2006.
Foi a situação também do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que, depois de um ano e meio sob apuração, teve um inquérito arquivado em setembro após a Segunda Turma declarar que ele “não disputou cargo político no pleito de 2010 e o crime investigado é de falsidade ideológica eleitoral [caixa dois]”, o que não faria sentido.
A própria PGR (Procuradoria-Geral da República) requereu o arquivamento dessas investigações. Em ao menos outros seis casos, diferentemente, os ministros mandaram encerrar o inquérito à revelia do órgão, que queria que a apuração continuasse em primeira instância.
Foi o que ocorreu com as suspeitas, por exemplo, sobre o ex-ministro Bruno Araújo (PSDB-PE), a senadora Kátia Abreu (PDT-TO) e o deputado Rodrigo Garcia (DEM-SP), eleito em outubro vice-governador de São Paulo.
A Polícia Federal já antevia que parte da delação da Odebrecht naufragaria. Investigadores que cuidavam do caso no início consideravam que os primeiros depoimentos traziam mudanças de versões, o que mostrava, segundo eles, fragilidade no processo de colaboração premiada.
Os policiais apontavam também que a demora para conseguir o acesso aos sistemas que embasaram as planilhas de contabilidade da empresa inviabilizava a comprovação dos relatos.
Os casos foram abertos pelo STF a pedido de Rodrigo Janot, então procurador-geral da República. Na PF, houve a avaliação de que o Ministério Público fez um trabalho apressado e fechou colaboração com mais pessoas do que seria necessário.
Dos 27 inquéritos que desceram para a primeira instância, 16 foram remetidos à Justiça Eleitoral, o que significa que os ministros entenderam que as suspeitas apontavam para a prática de caixa dois, e não de corrupção.
O caixa dois é um crime mais brando, com pena máxima de cinco anos, não leva à prisão e prescreve mais rápido. Já a pena máxima para corrupção é maior, de 12 anos.
Um dos casos que foram para a Justiça Eleitoral em São Paulo é o do senador José Serra (PSDB-SP), suspeito de envolvimento em repasses ilícitos de R$ 2,2 milhões relativos a obras viárias no estado.
A suspeita inicial era de corrupção, mas a maioria da Segunda Turma apontou caixa dois eleitoral.
O colegiado declarou a prescrição dos supostos crimes anteriores a 2010, deixando em andamento apenas uma pequena parte da investigação sobre fatos posteriores.
Em outro exemplo, o tribunal enviou para a Justiça Eleitoral em Minas uma apuração sobre os senadores tucanos Aécio Neves e Antonio Anastasia, suspeitos de caixa dois de R$ 5,4 milhões na campanha de Anastasia ao governo estadual em 2010.
A corte também remeteu inquéritos sobre Helder Barbalho (MDB), recém-eleito governador do Pará, para a Justiça Eleitoral de seu estado, sobre o deputado Celso Russomanno (PRB-SP) para a Justiça Eleitoral em São Paulo, e sobre o deputado Vander Loubet (PT-MS) para a Justiça Eleitoral em Mato Grosso do Sul, entre outros.
Há ainda 32 inquéritos da Odebrecht em andamento no Supremo. Apenas um teve denúncia recebida pela corte, em março deste ano, tornando réu o senador Romero Jucá (MDB-RR) sob acusação de receber R$ 150 mil para beneficiar a Odebrecht na tramitação de duas medidas provisórias em 2014.
Por fim, uma das investigações está suspensa a pedido da procuradora-geral, Raquel Dodge, porque um dos alvos é o presidente Michel Temer, que não pode ser denunciado por supostos crimes cometidos antes do mandato. O inquérito é sobre o jantar no Palácio do Jaburu em que teria sido acertada propina.
Todos os políticos citados pelos delatores da Odebrecht negam os crimes.
Além das apurações no STF, houve partes da delação da Odebrecht que serviram para robustecer investigações em outras instâncias, como os relatos sobre o sítio de Atibaia (SP) atribuído a Lula, usados em ação penal em Curitiba.