Por Folhapress
Beneficiados pela exposição que ganharam na pandemia, mas com medo de chegar ao fim do ano com rombo nos cofres públicos, prefeitos têm contrariado recomendações de especialistas de diversas áreas e pressionado a Câmara a não mudar as datas das eleições municipais deste ano, previstas para 4 (primeiro turno) e 25 de outubro (segundo turno).
A alteração foi proposta ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por médicos infectologistas, cientistas, juízes e acadêmicos do direito. Na semana passada, o Senado aprovou PEC (proposta de emenda à Constituição) que adia as votações para 15 e 29 de novembro.
No entanto, a discussão foi barrada na Câmara por lobby de prefeitos que tentam se reeleger ou eleger um sucessor. Com a máquina administrativa nas mãos, os gestores municipais receiam que o adiamento abra espaço para adversários, sobretudo com previsão de possíveis perdas no FPM (Fundo de Participação dos Municípios).
Eles também viraram alvo constante de autoridades como o Ministério Público, que questiona doações e propaganda feitas em período pré-eleitoral.
Oficialmente, entidades que representam prefeituras como a CNM (Confederação Nacional de Municípios) dizem defender que não haja eleição neste ano e que o mandato dos prefeitos seja estendido –proposta que tem sido descartada tanto pelo Legislativo como pelo Judiciário.
“Para os municípios, a atual pandemia provocou queda abrupta de receitas de impostos e transferências constitucionais. Todas estão com desempenho muito ruim neste momento”‹”, diz um manifesto lançado pela entidade.
Nos bastidores, deputados têm sido procurados por prefeitos para que a eleição seja mantida em 4 de outubro.
O temor da falta de dinheiro faz sentido no contexto histórico das eleições. Muito antes da pandemia, os prefeitos já saíam com vantagem sobre os adversários na corrida pela reeleição e costumavam aumentar os gastos públicos em caso de risco de derrota.
“A probabilidade de reeleição está fortemente correlacionada com a expansão do gasto público”, diz um estudo de 2004 da Consultoria Legislativa do Senado.
Na pandemia, essa vantagem sobre adversários se fortaleceu ainda mais em diversos lugares do mundo.
“Há algumas exceções, evidentemente. Mas, em geral, a aprovação dos chefes do Executivo em todos os níveis cresceu com o início da pandemia”, diz Graziella Testa, doutora em ciência política pela USP e professora da EPPG-FGV (Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getulio Vargas).
Segundo ela, com a data das eleições mais distante do período mais grave da pandemia, o cenário pode se tornar desfavorável para eventuais candidatos à reeleição.
O advogado eleitoral Renato Ribeiro concorda. Ele aponta que os prefeitos “ganharam grande exposição na pandemia”, atuaram de forma mais coordenada que o governo federal, e “a própria crise proporcionou maior exibição, sejam pelos canais oficiais da prefeitura, seja pela mídia”.
“Acontece que, quanto mais adiante forem realizadas as eleições, menos viva na memória estará a condução do combate à pandemia e mais premente estarão os efeitos econômicos, especialmente desemprego e fechamento de empresas, devido ao agravamento da crise”, afirma ele.
“Historicamente, situações de desemprego e crise econômica favorecem a oposição”, acrescenta Ribeiro.
Integrantes da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), questionam as intenções dos prefeitos. “Já havia um grupo de prefeitos defendendo, por uma questão oportunística e casuística, uma prorrogação de mandato, mas a sociedade civil se organizou porque prorrogar mandato é contra a democracia”, diz o advogado Marcelo Weick, coordenador geral da Abradep. “Como ficou inviável a prorrogação, eles começaram a defender a manutenção pela data do 4 de outubro.”
Para ele, defender a data atual é “um risco muito grande”, já que o adiamento também servirá para a Justiça Eleitoral adaptar as eleições ao cenário da pandemia, com treinamento de mesários, organização das zonas eleitorais e obtenção de equipamentos de proteção individual. Eventuais picos de contaminação durante esse período, diz Weick, poderiam levar à responsabilização de prefeitos na Justiça.
A advogada Gabriela Rollemberg, secretária-geral da Abradep, afirma que os prefeitos temem deterioração financeira até o fim do ano, que os force, por exemplo, a atrasar ou parcelar o salário de servidores, afetando a imagem desses políticos.
“Da mesma forma, em alguns municípios há uma tendência de aumento de infectados e mortos, o que traria prejuízos à gestão”.
Rollemberg teme que o atraso na votação pela Câmara faça a discussão sobre extensão dos mandatos voltar à pauta. “Seria um precedente gravíssimo. Você estaria suprimindo um direito constitucional”, diz. “Não dá para o Congresso substituir o eleitor e definir que esses mandatários ficarão mais dois anos no poder.”
Para aprovar o adiamento das eleições, líderes partidários e o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) conversaram para buscar uma saída depois que o centrão, pressionado pelos prefeitos, passou a se opor à mudança das datas.
No início da crise do novo coronavírus, o governo federal garantiu, por quatro meses, que prefeituras e governos estaduais não teriam perdas no Fundo de Participação dos Municípios e no FPE (fundo dos estados), que transferem dinheiro da União para prefeitos e governadores, apesar da forte queda na arrecadação federal.
Líderes da Câmara, porém, estão discutindo a ampliação dessa garantia até o fim do ano, como moeda de troca para a realização dos dois turnos das eleições municipais em novembro.