Para analistas, embate fragiliza imagem do STF

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Especialistas em direito ouvidos pela reportagem avaliam que o embate de decisões no Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito da prisão após condenação em segunda instância espelha uma divisão no tribunal e fragiliza a sua imagem na sociedade.

Nesta quarta-feira (19), último dia antes do recesso do Judiciário, o ministro Marco Aurélio concedeu liminar suspendendo a possibilidade de prender condenados antes do trânsito em julgado (o encerramento de todos os recursos nas cortes superiores). Também mandou soltar as pessoas presas nessas circunstâncias.

Horas depois, o presidente do STF, Dias Toffoli, suspendeu os efeitos da decisão de seu colega. Toffoli atendeu a um pedido Procuradoria-Geral da República (PGR), que recorreu da decisão de Marco Aurélio pedindo “a suspensão da medida liminar […] até o seu julgamento pelo plenário, restabelecendo a decisão do Supremo Tribunal Federal” em julgamentos anteriores.

A questão das prisões será apreciada de forma definitiva em 10 de abril pelo STF.

Eloísa Machado de Almeida, professora e coordenadora do Supremo em Pauta da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, afirma que, quanto a seu conteúdo, a decisão de Marco Aurélio foi correta.

Tanto a Constituição quanto o Código de Processo Penal, explica, só liberam a prisão após o fim do processo.

“As leis são muito claras quanto a esses pontos. No entanto, a forma como foi apresentada a liminar evidencia uma divisão no tribunal, uma disputa entre o relator, Marco Aurélio, e a presidência da corte.”

Em 2016, ao julgar um habeas corpus, o STF fixou o entendimento de que tribunais de segunda instância podem executar a pena mesmo quando o condenado tem o direito de recorrer a tribunais superiores. A decisão foi tomada com a margem apertada de 6 votos a 5. No ano passado, Gilmar Mendes, que havia votado a favor das prisões, anunciou que mudou de ideia.

“A decisão da nova maioria é correta, mas a presidência do STF postergou marcar o julgamento para decidir, talvez por se imaginar num papel político que não é adequado para a corte”, afirma Eloísa Machado de Almeida.

A advogada Flávia Rahal, também professora da FGV, afirma que a atual situação é de insegurança jurídica, o que atribui ao fato de a Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) que questiona a prisão de condenados em segunda instância ainda não ter sido pautada no Supremo.

“A demora em pautar uma ação dessa relevância faz com que, às vésperas do recesso, haja uma decisão dessa magnitude”, afirmou ela, que concorda com o teor da liminar de Marco Aurélio. “Sempre acreditei que não é possível presumir a culpa de quem ainda não tem o trânsito em julgado.”

Na avaliação de Alamiro Salvador Velludo, professor de Direito Penal na USP, a liminar de Marco Aurélio corroborava o pensamento da maior parte dos advogados e acadêmicos de direito do país. “A liminar está em consonância com o espírito constitucional de 1988”, avalia. “Esse não é um tema que comporte muitas interpretações”.

Davi Teixeira de Azevedo, professor da USP, também considera a posição de Marco Aurélio acertada. “O erro está no posicionamento atual do Supremo, que revogou o texto da Constituição que diz que a prisão não pode acontecer até que não caibam mais recursos”, afirmou.

No campo oposto, Ivar Hartmann, coordenador do Projeto Supremo em Números e professor da Escola de Direito do Rio da FGV, considera correta a suspensão de Toffoli. Para o professor, a decisão de Marco Aurélio era fragrantemente ilegal.

“Não é permitida uma decisão liminar, individual, nesse tipo de processo, uma ADC. Esse é um problema muito comum no STF”, diz.

“E mesmo que fosse permitida essa decisão liminar, um ministro não pode contrariar a jurisprudência do plenário. A corte já se manifestou quatro vezes no sentido de liberar a prisão após condenação em segunda instância.”

Do ponto de vista da substância, do conteúdo da liminar, Hartmann diz que são infundados alguns dos argumentos de Marco Aurélio.

O ministro afirmou que o problema das prisões antes do trânsito em julgado “adquire envergadura ímpar quando considerada a superlotação dos presídios”.

“Em um estudo recente”, comenta Hartmann, “identificamos que a prisão após condenação em segunda instância provocaria um aumento possível de 2% na lotação das cadeias. Na verdade, pesquisas indicam que 40% dos presos nunca foram julgados”.

Professor aposentado da Faculdade de Direito da USP, Modesto Carvalhosa também criticou Marco Aurélio. “A decisão monocrática fere todos os princípios constitucionais e o próprio regimento do STF.”