‘O que leva o STF a retardar julgamento por uma década?’

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Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

O senador estreante Alessandro Vieira, PPS-SE, disse que vai reapresentar à mesa do Senado, na retomada dos trabalhos, o pedido de Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar os tribunais superiores de Justiça, no momento arquivado. O pedido da CPI da Lava Toga, como ficou mais conhecida, foi protocolado na primeira semana de fevereiro, com as 27 assinaturas minimamente necessárias. Como dois senadores as retiraram, o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), determinou o arquivamento. Aos 43 anos, casado, três filhos, o ex-delegado de polícia, por 18 anos, foi eleito, então na Rede, com 470 mil votos e despesa de R$ 70 mil, derrotando caciques da política sergipana. Ganhou, com a proposta de CPI, imediata visibilidade. Alinhado com o presidente Jair Bolsonaro, na segunda tentativa pela Lava Toga, Vieira vai incluir um voto-vista do ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal. Proferido no Habeas Corpus 79.441, o voto diz que nem todos os atos do Poder Judiciário estão excluídos da investigação parlamentar. Leia trechos da entrevista.

Por que o sr. vai reapresentar a proposta?

Porque a caixa-preta da cúpula do Poder Judiciário nunca foi aberta. Ela se blinda de forma severa. É o único dos poderes que continua intocável – e isso é ruim para a democracia.

O seu foco é a cúpula?

Sim. A base do Judiciário, hoje, por causa do Conselho Nacional de Justiça, é superfiscalizada, tem método, tem transparência. E a cúpula não.

Por exemplo…

Os ministros do Supremo não estão sequer submetidos a prazos, e, em vários pontos, nem mais à lei. Eles são intocáveis.

A Constituição garante o pedido de impeachment de ministros do Supremo ao Senado. Não é suficiente?

A única forma de tirar um ministro é o pedido de impeachment, processado e julgado pelo Senado. Só que não funciona. Tem 28 pedidos arquivados, sem terem sido apreciados.

E em que medida uma CPI resolveria isso?

Criando um clima para que a cúpula seja forçada a se abrir. É perfeitamente viável. Tem um voto-vista do ministro Celso de Mello dizendo que pode ter CPI para tratar do Judiciário. O que não pode é tratar de decisões de mérito – e não é a isso que a CPI se propõe.

A que ela se propõe?

A produzir informação consistente sobre dados que nós não temos hoje.

Por exemplo?

Saber, com clareza, o que leva o Supremo a retardar um julgamento por uma década. É um problema estrutural?

Teríamos, então, por exemplo, que o ministro Dias Toffoli, atual presidente, seria chamado à CPI para explicar isso?

Ou ele ou aquele que tenha o estoque de processo mais aberrante. Porque o objetivo final da CPI é gerar um relatório que possa substanciar e subsidiar projetos de lei.

O ministro Marco Aurélio é o recordista em acumular habeas corpus. Ele também iria?

Certamente ele seria chamado a esclarecer. O objetivo é entender, levar transparência, buscar soluções.

Isso não vai atrapalhar a governabilidade? Ou é isso mesmo o que o sr. quer?

Eu não consigo ver nenhum risco à governabilidade. O Brasil passou por impeachment, teve presidente com duas denúncias de corrupção nas costas, passou por uma eleição em que o principal candidato foi esfaqueado, tem ex-presidente condenado e preso – e a democracia continuou a funcionar.

O sr. vislumbra, caso seja aprovada, que algum desses ministros atenderia à convocação?

É uma situação que a gente vai ver na prática. O fato de estar ocupando cadeira, mesmo na mais alta corte, não garante imunidade. Essa CPI é uma demanda da sociedade, e o legislador está aqui para materializar as demandas da sociedade.

O sr. tem algum dado sobre a demanda da sociedade a esta questão específica?

Não. Mas qualquer filtro de análise vai colocar como ponto de resistência a transparência na cúpula do Judiciário.

O sr. não está generalizando?

Não. No caso do STF, você tem o descontrole do tribunal como um todo. São milhares de processos, pedidos de vista sem volta…

Mas em que uma CPI iria resolver isto?

Ela traz os dados e busca uma solução concreta.

As mazelas do Supremo são fartamente conhecidas. Os dados são públicos, estão à disposição.

Não é tão transparente. Só a CPI faz uma produção de conhecimento mais qualificada. Pode servir para embasar projetos de lei e investigações que se tornem necessárias.

Podem surgir investigações?

Sim. Por exemplo: ainda não se tem um cruzamento sobre como funciona a correlação entre duração do processo e escritórios de advocacia.

Este ponto não entrou no seu primeiro pedido. Vai entrar no segundo?

Estamos trabalhando nisso. E também em atividades econômicas exercidas por ministros e não acobertadas pela Lei Orgânica da Magistratura.

Os advogados também seriam convocados à CPI?

É uma possibilidade.

O sr. imagina, por exemplo, que um Sérgio Bermudes possa comparecer?

Com certeza. É um grande advogado, de quem a esposa do ministro Gilmar Mendes é sócia. Talvez a referência (para a convocação) seja esta.

O que mais entraria, em relação aos ministros do Supremo?

A liminar do ministro Luiz Fux mantendo o auxílio-moradia, por quatro anos, até ser negociada por um aumento salarial.

Mas aí já é entrar no mérito da decisão, não?

Não. Isso, na prática, é extorsão, ainda que seja uma palavra dura. A liminar que permanece no tempo é obstáculo para a prestação jurisdicional, porque impede o plenário de apreciar.

O ministro Luiz Fux dirá, até o fim dos dias, que tem o poder constitucional de dar a liminar.

Ele tem prazo regimental de duas sessões para devolver. Não devolvendo, precisa explicar por que não devolve.

O Supremo não cumpre esse prazo de duas semanas.

A CPI quer encontrar um parâmetro que seja sério, para ser efetivamente cumprido. A Justiça tem que ser certa, previsível, não pode ser loteria.

As CPIs têm seu lado circense e demagógico. O sr. imagina um ministro do STF sujeito a isso?

Eu comparo com a perspectiva histórica da prisão do Lula.

O que o sr. está dizendo é: se o Lula foi preso, nada impede que um ministro do STF seja preso?

Exatamente. Ninguém pode estar acima da lei.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.