Internações de crianças por Covid saltaram de 284 para 2.232 de dezembro para janeiro

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por Cristiano Martins e Diana Yuraki | Folhapress

Reprodução

A recente explosão das internações infantis por Covid supera em muito a curva geral de aumento durante a onda associada à variante ômicron no Brasil.

Levantamento da Folha com dados do Ministério da Saúde revela que o número de crianças menores de 12 anos hospitalizadas com complicações da doença saltou de 284 em dezembro para 2.232 em janeiro. Uma escalada de 686%.

Desde o início da pandemia, o Brasil ainda não havia visto tantas internações pediátricas por Covid em um só mês. Foram 70% a mais em relação a janeiro do ano passado e 11% acima de março, pico dos atendimentos no país em todas as faixas etárias.

Entre as demais idades, que concentram a maioria da população, a alta de dezembro para janeiro foi proporcionalmente menor, de 395%.

As hospitalizações de adolescentes e adultos subiram de 7.399 para 36,6 mil, puxadas especialmente pelos idosos.

Apesar do aumento expressivo, essa quantidade é bem inferior aos 95,8 mil atendimentos em janeiro do ano passado e aos 228,3 mil registrados em março, no auge da pandemia.

Praticamente uma em cada dez internações por Covid na faixa de 0 a 11 anos no Brasil ocorreu em janeiro de 2022.

Segundo especialistas, a principal explicação é a falta de cobertura vacinal nesse público.

Autorizada em 16 de dezembro pela Anvisa para as crianças de cinco anos ou mais e iniciada oficialmente em 14 de janeiro, a campanha de imunização começou em ritmo lento.

Até segunda-feira (14), data da última atualização dos registros de internações, 28% das crianças elegíveis tinham recebido a primeira dose, de acordo com dados das secretarias estaduais de Saúde coletados pelo consórcio dos veículos de imprensa formado por Folha, UOL, O Globo, G1, O Estado de S. Paulo e Extra.

Entre os brasileiros adultos, 94% estavam protegidos com o primeiro ciclo completo (duas doses ou o imunizante de aplicação única).

“Observamos um aumento impressionante, seguramente relacionado à dinâmica de transmissão. É como uma batalha, em que o vírus quer sobreviver e procura os lugares onde será menos atacado. Hoje, o nicho mais vulnerável são justamente as crianças”, explica Raphael Guimarães, pesquisador do Observatório Covid-19 da Fiocruz.

A análise da Folha mostra que a proporção de crianças hospitalizadas cresceu em relação à média geral.

Elas representavam cerca de 1,5% da curva de internações até novembro do ano passado. No fim de janeiro, eram 6%.

O rejuvenescimento da pandemia já havia sido observado pelos cientistas em outras ocasiões. Tampouco é exclusivo do Brasil.

Nos Estados Unidos, crianças de nove anos ou menos correspondiam a 5% da média de internações na primeira semana de janeiro. Até maio de 2021, esse índice não havia passado de 2%.

Por lá, a cobertura também era baixa. Um quarto dos menores de 12 anos tinha recebido uma dose, e menos de um quinto, o primeiro ciclo completo. Os dados são do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças).

À medida que a imunidade avança entre os mais velhos, a média de idade dos infectados tende a diminuir, resume Guimarães.

No Brasil, esse movimento ficou bem claro entre maio e julho, após a vacinação dos idosos. A faixa dos 20 aos 59 anos chegou a responder por mais da metade das mortes ao longo de seis semanas consecutivas e por mais de 60% das hospitalizações em UTI (unidade de terapia intensiva) durante dois meses seguidos, conforme relatório da Fiocruz.

O levantamento da Folha aponta queda acentuada na presença dos grupos mais longevos, a partir da vacinação, em relação à média de casos hospitalizados.

Os septuagenários representavam 20% dos internados em janeiro do ano passado, mas somente 7,5% em junho. Entre os sexagenários, a proporção caiu de 24% em maio para 12% em julho, na contramão dos novos picos de atendimentos entre os mais jovens.

Mais recentemente, após a expansão da cobertura vacinal dos adultos, o percentual de idosos voltou a aumentar em relação ao total.

O infectologista pediátrico Marcio Nehab ressalta que a baixa vigilância genômica e o esgotamento dos testes diagnósticos durante a explosão de casos em janeiro limitam análises mais aprofundadas sobre o real impacto da ômicron nesse cenário.

“Hoje, as pessoas não adequadamente vacinadas, sem duas doses ou o reforço, são a gigantesca maioria das que nós internamos. E as crianças fazem parte do grupo de não vacinados. Esse é o principal fator para o aumento absoluto. É um mar de suscetíveis”, diz o especialista do IFF (Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira).

Segundo o IBGE, há cerca de 20,5 milhões de brasileiros menores de 12 anos na população.

Antes do início da vacinação infantil, o presidente Jair Bolsonaro (PL) disse que o número de crianças afetadas pela Covid era “insignificante” e criticou a decisão da Anvisa.

O ministro Marcelo Queiroga recorreu ao jargão “a pressão é inimiga da perfeição” ao ser questionado sobre o tema em dezembro.

Até a última atualização dos dados oficiais, a Covid havia provocado ao menos 1.536 óbitos e 25.295 hospitalizações por síndrome respiratória aguda grave (Srag) entre crianças.

Do total das mortes, 125 foram registradas em janeiro deste ano (8%).

Houve também 63 óbitos e 1.160 hospitalizações por síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P) apenas no público infantil de 0 a 9 anos.

Os números podem parecer pequenos se comparados às 638,9 mil vidas tiradas pelo coronavírus no Brasil até o momento da análise.

No entanto, segundo nota do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e balanço do próprio Ministério, nenhuma outra doença imunoprevenível causou tantas mortes de crianças no país em 2021 quanto a Covid.

O levantamento da Folha considerou somente as internações por Srag com diagnóstico confirmado para o coronavírus e dadas como encerradas, seja por alta ou óbito.

Foram excluídos registros com evidente erro de preenchimento das idades ou datas de nascimento, bem como das datas de internação, notificação e encerramento.

Por fim, foram desconsideradas as duas semanas mais recentes, a partir da última notificação, para evitar distorções geradas por atrasos na digitalização das fichas –em média, 16 dias.