Estados do Nordeste puxam aumento da violência no primeiro semestre no Brasil

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O Nordeste destoou das demais regiões brasileiras e puxou a taxa de crimes violentos (homicídios dolosos, latrocínios e lesão corporal seguida de morte) para cima no primeiro semestre de 2020. A situação é surpreendente por dois motivos: primeiro, porque em 2018 e 2019, quando o Brasil registrou dois anos consecutivos de quedas relevantes desses crimes, os estados nordestinos estiveram entre os que mais reduziram os homicídios. Segundo, porque o crescimento atingiu a região de forma generalizada, apesar dos quatro meses de isolamento social decorrentes da pandemia.

No balanço deste primeiro semestre, os homicídios cresceram nas nove unidades da federação nordestinas: Alagoas (15,5%), Bahia (5,6%), Ceará (102,3%), Maranhão (21,1%), Paraíba (19,4%), Pernambuco (11,5%), Piauí (7,7%), Rio Grande do Norte (8,5%) e Sergipe (7,3%). Enquanto os crimes violentos em toda a região cresceram 22,4%, as demais reduziram ou ficaram praticamente estáveis, casos do Sudeste (-0,8%), Sul (1,7%), Norte (-13,8%) e Centro-Oeste (-10,4%).

Nenhum estado do Brasil, no entanto, viveu situação tão dramática como a do Ceará, que dobrou os casos de homicídios no primeiro semestre em relação ao ano passado. Em 2019, o estado estava no extremo oposto, como a unidade brasileira que mais reduziu os assassinatos entre as 27 unidades da federação, com queda de 50%.

Apesar da reeleição do governador Camilo Santana, o Ceará viveu momentos conturbados em 2020, com o motim da Polícia Militar em fevereiro. Nesse mês, os homicídios cresceram 178% em relação ao mesmo período do ano anterior. Desde então, com exceção de março, o crescimento continuou dobrando todos os meses.

A crise na polícia acabou encorajando a disputa por territórios entre grupos rivais, que passaram a brigar por mercado e poder, multiplicando os conflitos violentos. Foi identificado o movimento do Comando Vermelho sobre os Guardiões do Estado – gangue local.

Esse crescimento generalizado na região levanta algumas perguntas: as facções que levantam a bandeira do CV e que concorrerem por territórios e mercados nos outros estados poderiam estar seguindo a mesma estratégia contra seus rivais locais? Haveria um diálogo entre chefes regionais desses grupos, que pudessem promover ações conjuntas? Ainda é difícil saber se a hipótese faz sentido diante da escassa troca de informações dos departamentos de inteligência estaduais e federal.

A intensa variação de taxas na região, mais do que um efeito de políticas públicas, pode estar relacionada a questões circunstanciais ligadas a esse mercado de drogas, cuja concorrência muitas vezes é disputada à bala. Um dos motivos que reforçam essa hipótese é a relativa estabilidade política na região, considerando que seis dos sete governadores reeleitos no Brasil estão na região Nordeste. A grande mudança ocorrida nessas áreas foi a pandemia do coronavírus, que por causa do isolamento deveria diminuir as ocorrências de crime.

O resultado desse crescimento é que seis estados do Nordeste passaram a liderar neste semestre o ranking dos mais violentos do país. Ceará está em primeiro lugar, seguido de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe e Bahia.

São Paulo segue como o estado com a menor taxa de mortes violentas no Brasil, mas a situação se tornou preocupante para os paulistas, que fecharam o semestre com crescimento de 4,7% nos homicídios. Caso a tendência se mantenha, o estado corre o risco de registrar em pleno ano de pandemia uma das raras elevações nas taxas anuais de violência das últimas duas décadas. O aumento coincide com os recordes sucessivos de homicídios praticados pela polícia, ações que não fazem parte deste levantamento do Monitor, mas que parecem contribuir para estimular a violência geral no estado.

Outra situação que chama a atenção é a do Rio de janeiro. O estado entrou em 2020 com grave crise política e ameaça de impeachment do governador Wilson Witzel. Nesse período, o governo parecia ter perdido o controle das polícias, que passaram a fazer diversas operações nos morros, mesmo durante o período de isolamento social, quando os moradores distribuíam máscaras, kits de higiene e alimentos.

Nesse período, recordes de mortes em operações da polícia foram quebrados, mesmo no mês de março, o primeiro da quarentena, quando o Rio registrou crescimento de 6% dos homicídios. Houve grande mobilização da sociedade civil diante das mortes provocadas pela polícia durante as operações no isolamento. Em junho, o Supremo Tribunal Federal concedeu uma liminar limitando as operações policiais durante a pandemia de coronavírus, diminuindo tiroteios e mortes nas comunidades e reduzindo as taxas de violência no Rio.

 Núcleo de Estudos da Violência da USP