Por Isabela Palhares | Folhapress
Em escolas com clima escolar ruim, 60% das crianças chegam ao quarto ano do ensino fundamental sem ter aprendido as habilidades mais básicas de leitura, como identificar e compreender uma informação explicitamente declarada no texto.
O dado é de um estudo feito pelo Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional), que analisou os resultados dos estudantes brasileiros na avaliação do Pirls (sigla em inglês para Progress in International Reading Literacy Study).
A avaliação é feita com crianças nessa série (quando, em geral, estão com dez anos de idade) para analisar quanto a alfabetização está consolidada. Segundo os responsáveis pelo Pirls, o quarto ano é considerado um ponto de transição no desenvolvimento dos estudantes, quando passam da fase de aprender a ler para a de “ler para aprender”.
O desempenho geral do Brasil indicou que 38,4% das crianças chegaram ao quarto ano sem as habilidades consideradas adequadas para a idade em leitura, uma das mais baixas taxas verificadas entre os países analisados. O trabalho do Iede, no entanto, identificou que o cenário brasileiro é ainda mais crítico diante da desigualdade educacional.
“A média geral do Brasil é muito baixa e preocupante, mas ela esconde a realidade da maioria dos estudantes que é ainda mais grave. Alunos com baixo nível socioeconômico e em escolas com clima escolar ruim têm tido ainda menos oportunidade de aprender o que têm direito”, diz Ernesto Faria, diretor-executivo do Iede.
Para identificar as desigualdades brasileiras, o Iede analisou as médias de escolas com realidades diferentes.
Entre as unidades que os diretores dizem ter a maior parte dos alunos em situação “economicamente desfavorecida” (que representam 51% dos estudantes brasileiros) e com clima escolar considerado bom, 47% das crianças não alcançam o nível adequado.
Entre os estudantes com situação econômica desfavorecida e que estão em escolas com clima escolar considerado ruim (com casos de violência interna e no entorno), as médias são ainda mais baixas 60% não atingem o nível básico.
“Diversas avaliações apontam que as crianças mais pobres têm menos oportunidade de aprender, mas essa análise nos mostra que é ainda pior quando as escolas não recebem apoio e têm que lidar com questões externas complexas”, diz Faria.
Para ele, os dados indicam que o avanço no aprendizado das crianças não depende apenas de apoio pedagógico, mas de uma política sistêmica e integrada com outras áreas para melhoria do ambiente escolar.
“Questões externas têm um peso muito importante no aprendizado dos alunos e, ainda assim, as escolas continuam tendo que lidar sozinhas com elas. Violência, pobreza, vulnerabilidade social são fatores que as escolas não conseguem resolver, mas que podem ter o impacto minimizado se houver uma política voltada para isso”, diz Faria.
Beatriz Abuchaim, gerente da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, também vê com preocupação os baixos resultados das crianças mais vulneráveis já no início da vida escolar. “O comprometimento do processo de alfabetização tende a acompanhar toda a trajetória escolar desse estudante e depois se refletir em piores condições de emprego e renda. É um efeito em cadeia muito perverso.”
Para ela, uma política sistêmica e integrada precisa ser implementada com urgência no país e ser pensada desde a educação infantil.
“As crianças mais vulneráveis têm hoje menos garantia de acesso à creche. Ou, quando elas têm, recebem uma educação infantil de baixa qualidade. Isso se repercute nos anos iniciais do ensino fundamental, quando começam a ser alfabetizadas”, diz.
A análise também mostra que a vulnerabilidade econômica e a dificuldade no clima escolar acentuam a diferença entre meninos e meninas.
Na média geral, as meninas têm um resultado médio de 431 pontos, “significativamente superior ao resultado médio dos meninos”, de 408 pontos. Uma diferença de 23 pontos.
Nas escolas, que atendem majoritariamente alunos em desvantagem econômica, a diferença é de 29,6 pontos. As meninas atingiram uma nota média de 393,2 pontos e os meninos, de 363,6.
“É preciso uma análise mais cuidadosa para entender essa diferença, mas fica nítida a necessidade de uma ação para mitigar a desigualdade de gênero. Em geral, os meninos estão mais associados aos índices de indisciplina e isso pode estar relacionado à dificuldade que enfrentam para aprender”, diz Faria.
O Pirls é uma avaliação feita pela IEA (International Association for the Evaluation of Educational Achievement), uma cooperativa de instituições de pesquisa, órgãos governamentais e especialistas dedicada à realização de estudos e pesquisas educacionais.
Os resultados são da avaliação aplicada em 2021, quando o Brasil participou pela primeira vez.
A avaliação abrangeu mais de 400 mil estudantes em cerca de 13 mil escolas, de 57 países e oito regiões. No Brasil, fizeram a prova 4.941 estudantes, de 187 escolas públicas e privadas do quarto ano.
Por ter sido realizada em 2021, a prova reflete impactos da pandemia de Covid-19 e do consequente fechamento de escolas.
Os alunos brasileiros obtiveram uma média de 419 pontos. Esse desempenho fica acima apenas de Jordânia, Egito, Marrocos e África do Sul, este último com uma média de 288 pontos. É similar, por outro lado, ao resultado de Kosovo e Irã.
A análise do Iede mostra que a média das escolas com alunos economicamente desfavorecidos foi de 390 pontos. Em países desenvolvidos, como Itália, Holanda e Espanha, não há nenhum estudante com menos de 400 pontos.