Considerada essencial para garantir a estabilidade das contas do País no médio e longo prazos, a aprovação de uma reforma da Previdência ainda deixará outros desafios fiscais para o governo.
Um deles é a “regra de ouro” do Orçamento, que impede a emissão de dívida para pagar despesas como aposentadorias e já tem rombos previstos pelo menos para os próximos três anos. Outro é o teto de gastos que, mesmo com mudanças nas regras de aposentadoria e pensão do País, pode estourar já em 2022.
Desrespeitar a regra de ouro seria crime de responsabilidade, passível de impeachment. Para evitar esse desfecho, o presidente Jair Bolsonaro depende, este ano, de um aval específico do Congresso Nacional para o pagamento de R$ 248,9 bilhões em aposentadorias, benefícios sociais e subsídios agrícolas. Sem a autorização para bancar esses gastos com empréstimos obtidos por meio da emissão de títulos da dívida, os beneficiários ficarão sem o dinheiro.
Para evitar esse tipo de situação todos os anos, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pelo deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) pretende mudar a regra de ouro e estabelecer mecanismos de ajuste quando houver risco de descumprimento. Gatilhos seriam a proibição a reajustes salariais de servidores e a concessão de novos benefícios fiscais.
Segundo apurou o Estado, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem sido alertado para a gravidade do problema e pretende dar andamento à PEC. O relator da proposta, deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), pode apresentar seu parecer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara já na próxima semana. A proposta tem o apoio do governo.
No caso do teto de gastos, regra que limita o avanço das despesas à inflação, o risco de rompimento será alto a partir de 2022, calcula a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, mesmo com a aprovação da reforma da Previdência, que promete uma economia de R$ 1,2 trilhão em uma década, mas só uma parte pequena do impacto é sentida nos primeiros anos de sua vigência.
Apesar de reconhecerem a chance de estouro do teto, técnicos do governo avaliam que ainda não é hora de discutir alterações na regra, criada no fim de 2016 e que serviu de âncora para restabelecer a confiança de investidores no País em meio à crise fiscal. A própria norma prevê que, em 2026, o governo poderá propor mudanças por meio de projeto de lei complementar.
A necessidade de enviar uma PEC para mexer no teto e fazer caber um pagamento de R$ 33,6 bilhões para a Petrobrás, devido à revisão de um contrato de exploração de áreas do pré-sal firmado em 2010, pode abrir a porteira para outras mudanças.
Em um momento de paradeira na economia e de forte restrição nos gastos, fontes da área econômica admitem que o Congresso pode usar a oportunidade para flexibilizar a norma e “excepcionalizar” despesas que hoje estão sujeitas ao limite.
Gastos equilibrados com as receitas
A discussão sobre a “regra de ouro” e teto de gastos é anterior às eleições. O Banco Mundial chegou a defender, em documento enviado aos então candidatos à Presidência, que os investimentos públicos ficassem fora do alcance da regra do teto, uma vez que esse tipo de gasto tem impacto maior na geração de renda do País. Em troca, haveria um ajuste mais duro em gastos obrigatórios como benefícios previdenciários e salários de servidores.
As projeções cada vez mais pessimistas para o crescimento do País e o baixo nível de investimentos públicos podem encorajar os parlamentares a levar mudanças adiante. A avaliação de técnicos, porém, é de que qualquer mudança no teto precisaria ser discutida com muito cuidado.
O diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto, afirma que o problema não está nas regras fiscais, mas na determinação do País em cortar gastos para cumpri-las. “Quando o termômetro mostra uma febre alta, não adianta você quebrar o termômetro”, afirma. Ele reconhece que o teto de gastos tem algumas “imperfeições”, mas defende que seja preservado.
Salto observa que o Brasil tem hoje 11 regras fiscais que precisam ser seguidas e diz que é preciso harmonizá-las. No entanto, afirma que o desajuste em algumas delas tem a mesma raiz: o crescimento dos gastos acima das receitas. “É preciso avançar com as reformas para mudar a dinâmica”, avalia. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.