Agência O Globo | Notícias da Lapa
Após uma lenta queda no número de casos e óbitos por coronavírus, observada nos últimos dois meses, o país voltou a ser assombrado pela pandemia da Covid-19. Estados de todas as regiões do país, como Rio, São Paulo, Mato Grosso, Acre e Paraná, observam as médias móveis de ocorrências e mortes até triplicarem nos últimos dias.
Especialistas em saúde pública alertam que municípios em condições mais críticas devem reforçar medidas de isolamento social — uma iniciativa que, reconhecem, poderá ser recebida com resistência pela população, após meses de quarentena e à beira das festas de fim de ano.
Para a microbiologista da Universidade de São Paulo (USP) Laura de Freitas, algumas áreas do país já deveriam inclusive estar editando decretos com medidas de isolamento mais rígidas, como fechamento de comércio e de outras atividades.
— Está no momento. A gente está vivenciando a escalada dos casos, o ideal é fechar agora para não piorar e sobrecarregar hospitais — afirma Freitas.
Segundo a especialista, as medidas para diminuir os números são as conhecidas: isolamento social, máscara e álcool em gel.
— O uso da máscara é ainda mais recomendável agora do que no começo da pandemia porque a ciência descobriu que a máscara diminui a gravidade da doença. Quem é infectado usando o equipamento recebe uma carga viral menor e tende a ter uma doença mais branda — diz ela, para quem já se começa a se formar uma segunda onda da doença.: — É um fato. Na verdade, a primeira nem terminou. Diferentemente da Europa, aqui o número de casos só sofreu um declínio e já voltou a subir.
Coordenador da Frente de Diagnóstico da Força-Tarefa da Unicamp contra a Covid-19, Alessandro Farias avalia que o recente aumento de casos da pandemia é uma “semana de maremoto”.
— Não sei se esses índices continuarão crescendo, porque o cenário atual do Brasil não pode ser comparado ao visto na Europa, onde os países quase zeraram o número de casos até chegar uma segunda onda. Nunca nos aproximamos dessa realidade — afirma. — A população começou a relaxar e voltou às ruas, mesmo sem haver vacina. É difícil fazer lockdown e evitar a volta ao pico da pandemia, porque precisamos pensar em soluções para os comerciantes não fecharem as portas.
Já Paulo Petry, doutor em Epidemiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), considera que a população se “cansou da pandemia” e que a chegada do verão provocou aglomerações. Uma consequência é o aumento na taxa de transmissão.
Em seu levantamento mais recente, divulgado ontem, o Imperial College de Londres constatou que a taxa média de transmissão (Rt) da Covid-19 no Brasil foi de 1,1 na última semana — ou seja, cada cem pessoas contaminadas contagiam outras 110. A taxa de contágio é uma das principais referências para acompanhar a evolução epidêmica do Sars-CoV-2. Desta vez, ela cresceu 0,33 e voltou praticamente ao mesmo patamar de duas semanas atrás.
— É um ciclo inexorável: a incidência, as hospitalizações, as internações em UTI e as mortes — lamenta Petry. — Nunca fizemos verdadeiramente uma quarentena, nos restringimos ao distanciamento. Precisamos pensar em medidas mais severas e apelar para a colaboração da população. Infelizmente haverá um impacto econômico e um custo emocional diante das festas de fim de ano.
Nesta terça-feira, foram registrados 32.262 novos casos e 676 novos óbitos nas últimas 24 horas, totalizando 5,9 milhões de infectados e 166.743 vidas perdidas desde o início da pandemia, segundo boletim do consórcio de veículos de imprensa. A média móvel de mortes foi de 557, a maior dos últimos 35 dias, com tendência de alta em 14 estados. Trata-se de um crescimento de 45% em relação há 15 dias.
A média móvel de casos, por sua vez, ficou em 29.674, 71% acima do que há duas semanas. Esse índice apresenta tendência de alta em 17 unidades da federação
Para o pesquisador de Métodos Analíticos em Saúde Pública da Fiocruz Marcelo Gomes, os quatro dias sem divulgação do número de mortes em alguns estados atrapalharam os diferentes prognósticos feitos em cima dos dados.
— Esse apagão (em função do sistema do Ministério da Saúde) foi gravíssimo e prejudicial para todos os tipos de análise, porque, levando em conta os dados de divulgação, ele represou os números, que depois foram sendo divulgados. Isso deve trazer problemas, principalmente para análise da média móvel.