Um levantamento feito pelo G1 revela que 76 municípios elegeram o mesmo partido para a prefeitura em todas as cinco eleições realizadas desde 2000. Em 2020, após 20 anos, 60 municípios dessa lista ainda têm candidatos a prefeito da mesma sigla. O tempo no poder pode chegar a 24 anos. Entre os municípios identificados está, inclusive, uma capital: Teresina, no Piauí, onde o PSDB é eleito para a prefeitura desde 1992.
O MDB e o PSDB comandam o maior número dessas cidades, embora outras seis siglas também apareçam no levantamento. São 22 cidades governadas pelo MDB há no mínimo 20 anos. Sob o domínio do PSDB há, no total, 18 cidades.
Em seguida vêm PP (12), DEM (8), PTB (6), PT (3) e PSB (2). O levantamento considera o partido do prefeito eleito em cada eleição e também as mudanças de nome das siglas. Atualmente há 33 partidos registrados no TSE e outras 77 siglas estão em processo de formação. Dos 33 partidos em funcionamento, 22 já existiam em 2000.
A maioria das cidades do levantamento tem até 10 mil eleitores. Como a pequena cidade de Nova Castilho, em São Paulo, onde há apenas 1.230 eleitores aptos. Do outro lado está Teresina, a cidade com mais eleitores a aparecer na análise. São 558.661 votantes.
Para a cientista política Marta Mendes da Rocha, professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora, a situação encontrada nesses municípios é uma exceção. Ela afirma que houve “enorme renovação” nas prefeituras em 2016 e que a continuidade “está longe de ser a regra”, já que há “muita alternância”.
“De fato, esta é uma exceção no cenário muito competitivo das eleições municipais no Brasil. É difícil saber quais são as causas do predomínio de um único partido na prefeitura por tanto tempo. Pode ser consequência de uma boa administração dos gestores e gestoras do partido, de um cenário em que a disputa é muito desequilibrada a favor de um partido, família ou grupo e no qual os desafiantes têm poucas chances”, afirma.
“A política local no Brasil é muito diversificada, não apenas em função das diferenças demográficas (tamanho do município), mas das peculiaridades locais em um país tão extenso e com tantas desigualdades regionais.”
O G1 verificou ainda que 60 dos 76 municípios (79%) têm candidato do mesmo partido que se mantém no cargo na disputa municipal deste ano. Em três casos, todos no Rio Grande do Sul, a vitória já está certa: Catuípe, Doutor Maurício Cardoso e Porto Vera Cruz. Cada município tem apenas um único candidato a prefeito. Basta o voto do próprio candidato para ser eleito. Ou seja, os partidos devem chegar a 24 anos no poder.
Além disso, o levantamento mostra ainda que 30 prefeitos buscam a reeleição, sendo que 25 continuam concorrendo pelo mesmo partido da eleição anterior.
O cientista político Márcio Carlomagno, professor da Universidade Federal do Piauí, aponta que o motivo para o predomínio desses partidos varia de acordo com a situação local. Em Teresina, por exemplo, ele afirma que a oferta da candidatura e a existência de uma oposição garantem um cenário democrático e que a permanência do grupo político no poder pode ter relação com a aprovação do governo.
Já em municípios menores, onde a oferta de candidatos pode ser mais escassa, o professor diz que, antes de classificar como “feudo”, é preciso avaliar o número de postulantes na competição eleitoral e também o percentual de votos que elegeu o prefeito. Carlomagno lembra que, apesar de o levantamento verificar a hegemonia dos partidos em municípios, o grupo político pode migrar de uma sigla para outra.
“Essa é uma limitação dos dados. Pode ser que o número de municípios com o mesmo grupo no poder seja ainda maior, bem maior do que esses 76 em virtude de alguém que tenha trocado de partido. É o mesmo grupo político, embora não seja o mesmo partido”, afirma, ao destacar que Rafael Greca e Eduardo Paes, ambos do DEM, que disputam as prefeituras de Curitiba e Rio, estavam em PMN e MDB até pouco tempo.
A decisão do voto para prefeito varia de acordo com o tamanho município, assim como a forma como os eleitores se comunicam e se informam, segundo a cientista política Marta Mendes da Rocha. Em alguns casos, a opinião de amigos e familiares também pode pesar na escolha do candidato. Ela acrescenta ainda que apenas uma minoria dos eleitores do país se orienta pela identificação com o partido político.
“A maioria dos eleitores leva em consideração as qualidades pessoais dos candidatos ou os serviços já prestados por eles – para aqueles que já ocupam um cargo eletivo ou para os que nunca se elegeram, mas já atuaram em projetos coletivos no município. Isso é o que costumamos chamar de avaliação retrospectiva quando o eleitor e a eleitora levam em conta as ações passadas”, diz.
“Também é importante considerar um fenômeno que está se tornando cada vez mais comum de que pessoas que nunca se envolveram na política convertam o capital acumulado em outras arenas (religiosos, militares, empresários) em capital político. Mas no município é provável que pese bastante a percepção dos eleitores e eleitoras sobre a capacidade do candidato para gerir a cidade e oferecer soluções para os problemas e demandas vistos como mais urgentes.”
‘Demandas da população’
O G1 localizou quatro candidatos a prefeito de uma sigla que governa o município há pelo menos 20 anos e perguntou a que eles creditam o sucesso eleitoral. Em Teresina, o candidato Kleber Montezuma (PSDB) quer suceder o também tucano Firmino Filho, que já ocupou a prefeitura por quatro mandatos (1997-2004) e (2013-2020). A disputa reúne 13 candidatos a prefeito e será a mais acirrada da lista de 76 municípios.
Em nota, a assessoria de Montezuma afirma que o modelo de gestão “responde afirmativamente às demandas da população” e que “cada gestor renova e aperfeiçoa esse modelo administrativo, possibilitando importantes avanços para nossa cidade”. O texto diz ainda que, caso eleito, o candidato deve levar a “experiência enquanto gestor” e “dar continuidade às políticas públicas implementadas”.
Em Murici (AL), onde o prefeito Olavo Neto tenta a reeleição, o MDB também é eleito para a administração municipal há pelo menos 20 anos. O nome de urna do prefeito esconde outro sobrenome: Calheiros. Ele é sobrinho do ex-presidente do Senado e senador Renan Calheiros. A lista do clã Calheiros que administrou a cidade não para por aí: Remi Calheiros, irmão de Renan Calheiros; e Renan Filho, filho de Renan Calheiros e atual governador do estado.
A assessoria de Olavo Neto diz que o sucesso eleitoral se deve a “trabalho, transparência, responsabilidade na aplicação dos recursos públicos e, sobretudo, na capacidade de enxergar os anseios da população”. A nota destaca ainda avanços em saúde, educação e infraestrutura. “Em Murici, outros partidos que buscaram a alternância de poder, até aqui, perderam a eleição. Então a população muriciense se sente confortável com o partido.”
Com 178.309 eleitores aptos, o município de Presidente Prudente, em São Paulo, é governado há pelo menos 20 anos pelo PTB. Apesar de a sigla ter sido eleita para a prefeitura em cinco eleições seguidas, um dos prefeitos chegou a ser afastado do mandato, em 2007, quando assumiu o vice, do PSDB. O prefeito Nelson Bugalho, que concorre à reeleição, mudou de partido e está filiado atualmente ao PSDB. Em nota, a assessoria diz que “a sucessão do partido em Prudente se deve à cultura do apadrinhamento político que há na cidade”.
O município de Coruripe, em Alagoas, só elege prefeitos da família Beltrão há mais de 20 anos. O atual prefeito, Joaquim Beltrão, já acumula quatro mandatos. O sobrinho, deputado federal e ex-ministro Marx Beltrão registra dois. O candidato do grupo político, filiado ao MDB, é Maykon Beltrão. Ele enfrenta como adversário outro integrante da família: Marcelo Beltrão, que rompeu com o grupo e disputa pelo PP. A assessoria do candidato foi procurada e não quis se manifestar.
Em Minas Gerais, a cidade de Jequitinhonha reúne 17.602 eleitores nestas eleições. O prefeito Roberto Botelho estava filiado ao PMDB (atual MDB) nas eleições de 2000, quando o PSDB venceu a disputa pela administração municipal. Desde então todas as vitórias foram tucanas, sendo o mandato de 2004 já obtido pelo atual prefeito, reeleito em 2008.
“O sucesso se deve ao legado do trabalho que a gente vem desempenhando e à confiança quando você faz um trabalho planejado. Se for para alternar [o poder] e ter um oxigênio novo, ideias novas, considero importante. Se for alternar e piorar a situação, retroceder, então não tem sentido”, afirma Botelho.
Já a prefeitura destaca “a realização de muitas obras” e “o pagamento do funcionalismo e de fornecedores rigorosamente em dia”. “Os governos sucessivos tornam evidente a confiança e a aceitação do povo. A alternância no poder é saudável, mas só se justifica quando a mudança é para melhor.”
Fonte: G1