Cada vez mais seco, Rio São Francisco, traz temor de sede e fome em Bom Jesus da Lapa

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Considerado como um dos quatro maiores rios da América do Sul, o São Francisco passa por cinco estados e 521 municípios, representando riqueza e beleza por onde passa.  Apesar disso, o rio é hoje um patrimônio ameaçado.

Em Bom Jesus da Lapa, na Bahia, uma das principais cidades banhadas pelo Velho Chico, o cenário de beleza em alguns pontos contrasta com os bancos de areia no meio do rio e a água cada vez mais longe da margem. O que faz com o que os moradores ribeirinhos digam que “o rio está morrendo”.

Este é um dos momentos mais críticos de seca já enfrentados pelo rio. Pescadores, agricultores e famílias que dependem do São Francisco para sobreviver temem até mesmo passar sede e fome, pois o rio está realmente secando. Situação comprovada através de medições e estudos de entidades e representações sociais do Território do Velho Chico, formado por 16 cidades, que alertam:  o rio São Francisco está ameaçado diante  da crise hídrica.

No início do mês de junho, foi realizado em Bom Jesus da Lapa o  II Seminário de Orientação Funcional promovido pela Corregedoria Geral do Ministério Público da Bahia –MP/BA. Naquela oportunidade Samuel Brito, representante da Comissão Pastoral da Terra-CPT, chamou à atenção das autoridades para a situação ambiental que é apresentada, afirmando que “dados oficiais dizem uma coisa, no entanto os povos que vivem nas áreas atingidas sentem outra”. Referindo-se a questão que para justificar empreendimentos irrigados, institutos apresentam um rio pleno, quando na verdade, os moradores denunciam um caos iminente.

“Pegamos areia aqui, nosso ponto era nos braços do rio, quando secava . Agora conseguimos nesse local, nunca tínhamos chegando tão dentro do rio como agora, secou muito mais”.

A equipe do site Notícias da Lapa, fez uma visita à vários pontos do rio para conhecer de perto a realidade e conversar com pessoas que dependem do Velho Chico para sobreviver. Por onde passamos, percebemos cada vez mais que, diante do cenário encontrado, o rio pode estar com os dias contados.

Algumas representações que convivem há mais de 20 anos diariamente com o Rio São Francisco, dizem que “a situação é crítica, essa realidade tem sido pouco discutida e vista pelos órgãos ambientais no município de Bom Jesus da Lapa”.

“Normalmente são 9 pilares que ficam dentro d’água, agora só tem 5, no centro da ponte tem os dois principais, somente estão dentro d’água. Eu nunca tinha visto isso aqui”.
Moradora conta como era a captação de água na comunidade ribeirinha de Barrinha. “A bomba que leva água  para a caixa da comunidade ficava aqui, pela primeira vez tivemos que mudar  para o outro  local, os moradores tiveram que  abrir uma canal para a água ficar entrando no local da captação onde o motor puxa “.

Dona Maria Alice Alves, que é responsável por fazer a medição metodológica e do nível do Rio São Francisco em Bom Jesus da Lapa há mais de 20 anos, na localidade da Barrinha, alerta: “Eu nunca tinha visto o rio chegar numa situação dessa. O nosso Rio São Francisco nunca passou de 2(dois) metros, 3 (três) metros, assim para descer, era sempre aquele nível seguro, 6 (seis) e 7 (sete). Agora tá em 2 (dois), para não botar um 0 (zero). Porque tá seco, seco, seco”, diz.

Além da seca, a captação de água em grande escala do rio pode estar agravando a situação, de acordo com a moradora da Barrinha, que ainda recebe a água direto do rio sem tratamento, acompanha pela manhã e a tarde todos os dias a leitura do nível da água do Rio São Francisco, que depois envia para a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), em Sobradinho. “Tenho observado que o rio enche 1 cm e para, mais logo depois baixa, tá quase no zero, pela lógica devem estar tirando muita água do São Francisco, eu estou achando que é isso”, disse.

Régua de metragem mostra o caminho de seca que o rio ano após ano tem demonstrado. Várias estacas foram colocadas para medicação.

Alice Alves, alerta: “do jeito que ele vai aí, vai secar mesmo, fico com medo de ficar sem água. Ajunta a seca e ainda tem gente desviando (água)”.

Medidor pluviométrico que Dona Maria Alice usa para medir a quantidade de chuva, na Barrinha

De acordo com o pescador Antonio Lima, “a gente tá sentido na pele que o rio está se acabando, quem vai sofrer somos nós. O pior que a gente não vê nenhuma preocupação das autoridades. Pior que tudo se acaba, os peixes somem, não tem fartura mais não. Só se Deus mandar chuva”.

Vários pescadores e pescadoras afirmam que o rio vive uma das suas piores secas. “Quando subimos para pescar até ilhas, temos que saber por onde passamos, direto os barcos batem em pedras, só os mais experientes sabem o local certo para passar”, alerta.

De acordo com um Engenheiro Ambiental, o que agrava a seca no São Francisco é também situação dos seus afluentes, rios menores, que abastecem o rio. “Esses rios servem como veias que que levam água ao coração, que é o rio São Francisco. Se essas veias estão entupidas, como acontecem com vários afluentes do rio, uma menor quantidade de água vai chegar e, assim, cada vez menos água entrando, o rio vai ficando cada vez mais seco e a tendência é só piorar”, diz.

Ações governamentais

A Codevasf  de Bom Jesus da Lapa divulgou na semana do Meio Ambiente, em maio, o Plano de Preservação e Recuperação de Nascentes da Bacia do Rio São Francisco.

O Plano Nascente São Francisco, teve como projeto-piloto o município de Santana. No momento o trabalho está na quarta etapa, com a caracterização e validação das 33 nascentes identificadas previamente em um trabalho conjunto com as comunidades atingidas.

A Agência Nacional de Águas, ANA, criou o Dia do Rio, onde todas as captações de água na bacia hidrográfica do Rio São Francisco serão suspensas todas as quartas-feiras até 30 de novembro, mas poderá ser prorrogada caso haja atraso no início do período de chuvas na Bacia.

O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF implantou em diversos pontos da bacia os projetos de recuperação hidroambiental. O programa é financiado com recursos provenientes pelo uso das águas do São Francisco, onde aproximadamente R$ 20 milhões custearam a execução de 22 projetos prioritários, distribuídos em diversas regiões.

“Novo Chico”/Governo Federal

No ano passado (2016), o presidente da República Michel Temer, lançou o “Plano Novo Chico”, que prevê ações para a revitalização do Rio São Francisco, até 2019, em toda a bacia formada por 505 municípios, beneficiando uma população de 16,5 milhões de pessoas.
O plano prevê investimentos de R$ 1,1 bilhão em três anos, nos 217 municípios. Desse total, R$ 805 milhões para serem aplicados na construção de sistemas de esgotamento sanitário em 137 cidades, enquanto outros R$ 356,9 milhões deverão ser destinados a ações de abastecimento de água em 80 municípios. O Plano Novo Chico ,programa de revitalização do São Francisco, de acordo com o anúncio do Governo também envolve ações como proteção de nascentes; controle de processos erosivos; educação ambiental; capacitação institucional; saneamento básico; coleta e tratamento de resíduos sólidos; infraestrutura hídrica; modernização da irrigação; apoio à produção sustentável; fiscalização ambiental; e unidades de conservação. Lamentavelmente o “Novo Chico” ainda não saiu do papel.

Segundo o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), todas as ações necessárias para a revitalização da Bacia do Rio São Francisco devem demandar um investimento de cerca de R$ 30 bilhões. A estimativa consta do caderno de investimentos do novo plano gestor de recursos hídricos da bacia do rio, finalizada em 2016.

Um voto pelo rio

O senador Otto Alencar (PSD-BA), que tem cobrado ações concretas do Governo Federal em defesa do rio São Francisco, sugeriu, protestos pela falta de obras de revitalização e disse que os 27 senadores do Nordeste “só deveriam votar alguma coisa aqui do interesse do governo se o governo começasse a revitalização do Rio São Francisco”.

Segundo Alencar, “as obras de recuperação do rio podem ser feitas com a metade do dinheiro gasto com a transposição. Ele enumerou algumas soluções simples, como a recuperação das matas ciliares. Enquanto isso, o povo espera, sofre, chora e tenta não perder a fé.

 

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