Operação Faroeste: TJ abre processo contra servidoras por extraviar processo contra juiz preso

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Onde está o processo criminal da Bom Jesus Agropecuária contra o juiz Sérgio Humberto de Quadros Sampaio? Essa é a pergunta que a Corregedoria das Comarcas do Interior do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) tenta responder. A empresa é uma das partes que disputam com o borracheiro José Valter Dias mais de 300 mil hectares de terras no oeste baiano. O juiz está preso por envolvimento em venda de sentenças na disputa das terras e é investigado na Operação Faroeste.

Para tentar responder a questão, a Corregedoria instaurou dois processos administrativos disciplinares contra duas servidoras que podem estar envolvidas no “estranho desaparecimento” da representação criminal contra o juiz. As servidoras A.M.S e S.O.S podem ser responsabilizadas por desídia, por não cumprir os deveres funcionais previstos na Lei de Organização Judiciária da Bahia. A atuação da Corregedoria das Comarcas do Interior só veio a ocorrer, entretanto, após um pedido de providências do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para enviar ao órgão um extrato da movimentação processual da representação criminal contra o juiz investigado. O processo deveria ter sido remetido pelas servidoras para o TJ-BA por falta de competência daquela unidade para julgar o feito contra o magistrado. O despacho determinando o envio dos autos ao TJ-BA foi assinado pelo próprio Sérgio Humberto, responsável pela Vara Única de Formosa do Rio Preto, em 15 de agosto de 2018.

O desembargador-corregedor Salomão Resedá solicitou da escrivã A.M.S o extrato de movimentação processual da representação da empresa contra o juiz. A escrivã informou que o processo foi enviado ao tribunal no dia 17 de agosto de 2018. Entretanto, a sindicância encontrou irregularidades na movimentação processual e observou a ocorrência de desvios funcionais. No dia 10 de dezembro de 2019, a escrivã A.M.S informou que enviou os autos de agosto de 2019. Já no dia 11 de dezembro de 2019, a escrevente do Cartório dos Feitos Criminais de Formosa do Rio Preto, S.O.S, informou que em uma busca realizada no cartório foi localizado comprovante de envio de documentos por malote ao TJ datado de 23 de agosto de 2018 contendo um envelope lacrado, malote 00829, lacre 2970937, sem o número do processo. A escrevente apresentou a certidão de remessa do processo. O malote, porém, estava vazio, conforme informado por um servidor do setor de Protocolo e Correspondência do TJ-BA. Ele atestou que “não foi identificado o recebimento dos autos do processo 0000738-65.2016.805.0081 neste setor de documentação e informação do Tribunal de Justiça”. Destacou que havia apenas “guias de postagem”, considerando como “meros comprovantes de postagens dos correios, efetuadas pela unidade e habitualmente encaminhados ao Núcleo de Documentação e Informação – NDI”. A Diretoria de Distribuição do Segundo Grau atestou que não foi identificado ou recebido qualquer recurso ou ação originária referente ao magistrado.

Segundo o desembargador Salomão Resedá, as informações são contraditórias e indicam a existência de irregularidades por parte das servidoras. O desembargador chegou a ouvir A.M.S e uma servidora da prefeitura de Formosa do Rio Preto que trabalha no fórum, mas não conseguiu extrair, com exatidão, elementos concretos sobre o paradeiro do processo, se foi ou não enviado ao TJ-BA ou sua localização real. Já ao juiz assessor especial da Corregedoria, Antonio Maron Agle, a escrivã afirmou que fez a conclusão do processo ao juiz em 6 de outubro de 2016, entregando os autos à assessora do magistrado, mas somente foram devolvidos por Sérgio Humberto no dia 17 de julho de 2018, após sua localização no gabinete do juiz por uma equipe de inspeção do CNJ. A escrivã aduziu que o caderno processual foi devolvido com despacho ordenando a remessa ao TJ, mas que tal despacho não foi publicado imediatamente, e tampouco a remessa foi de logo realizada. Ela se deparou com os autos após retornar de licença prêmio e disse que em 17 de agosto de 2018 determinou a publicação e a remessa dos autos.

A servidora S.O.S afirmou que recebeu o processo do juiz Sérgio Humberto Sampaio durante a inspeção do CNJ e que entregou à equipe uma cópia do caderno processual. Deduziu que, logo depois, colocou o processo em uma estante, em local destinado a publicação, e que deixou para fazer o ato quando a escrivã A.M.S retornasse de férias. A escrivã afirmou ao juiz corregedor que já havia providenciado a remessa ao TJ, e que antes o ato era feito pela servidora F.P.V. da prefeitura de Formosa do Rio Preto cedida ao Poder Judiciário. Tal servidora cedida diz que não se recorda do fato, não sabendo dizer se foi a responsável pelo envio ao TJ-BA.

A servidora A.M.S, segundo a sindicância, não exerceu controle do processo sobre a condução cartorária, permitindo que os autos ficassem com o juiz por dos anos, “em ineficiente postura de não realizar qualquer cobrança comprovada, além de ter permitido anômala carga à assessora, sem apresentar qualquer documento neste sentido, descumprindo deveres de zelo e dedicação às atribuições do cargo e procedendo de forma desidiosa”. Ainda segundo a sindicância, depõe contra sua conduta o “estranho ‘desaparecimento’ do processo”. Já a servidora S.O.S incorreu em erros ao deixar de dar o adequado andamento da representação criminal, sem promover a publicação do despacho do juiz ou realizar a remessa ao Tribunal, “em desidiosa conduta de passar o encargo à escrivã para quando do retorno das férias”. O relatório conclusivo deverá ser apresentado pelo juiz assessor da Antonio Maron em um prazo de 30 dias.

DANO À SOCIEDADE

O juiz Sérgio Humberto de Quadros Sampaio, mesmo preso, terá que prestar informações para esclarecer o caso. O corregedor das Comarcas do Interior, desembargador Salomão Resedá, afirmou que a conduta do juiz de reter uma representação criminal “por quase dois anos, sem realizar qualquer movimentação no período e somente o fazendo em função de inspeção do CNJ”, representa um “eventual potencial danoso à sociedade”. Para o corregedor, a postura do magistrado demonstra “interesse pessoal na demora do feito, tanto mais quando se trata de procedimento contra si manejado”. Para o corregedor, o juiz deixou de cumprir com “independência, seriedade e exatidão as disposições legais, excedendo injustificadamente os prazos para despachar, além da falta de fiscalização sobre a serventia quanto à tramitação processual”, ferindo a Lei Orgânica da Magistratura (Lomam).

RESTAURAÇÃO DE AUTOS

Para não prejudicar a Bom Jesus Agropecuária, que impetrou com a representação contra o juiz no ano de 2016, o desembargador determinou a restauração dos autos extraviados. Por não terem sido recebidos por juiz de segundo grau, afirmou que é pertinente que isso seja realizado no juízo de Formosa do Rio Preto, por um juiz substituto, realçando a informação que tal caderno processual foi copiado para o CNJ durante uma inspeção. O desembargador também determinou que a conselheira Maria Teresa Uille Gomes, do CNJ, seja informada sobre o desdobramento dos fatos.

Informações do Bahia Notícias