A confeiteira Priscila Vencimento, 32 anos, teme pela vida do filho caso ele tenha que atravessar uma passarela para estudar. A preocupação dela tem origem na possibilidade de fechamento do Colégio Estadual Deputado Henrique Brito, em Campinas de Brotas, medida que integra o polêmico plano de estruturação da rede de ensino do estado, anunciado pelo governo do estado.
“O colégio atende basicamente a moradores da comunidade. Meu medo é com essa violência provocada pela guerra de facções. Imagine se meu filho for levado para uma escola em um bairro dominado por uma facção rival àquela que está em nossa comunidade? E aqui, se atravessar a passarela da Bonocô, já é outro território”, contou.
O medo de Priscila é compartilhado por familiares de alunos em diversas comunidades que correm o risco de perder escolas estaduais. No total, 108 unidades de ensino em Salvador e no interior podem ser desativadas ou municipalizadas, segundo a APLB, sindicato que representa os professores baianos.
Pelo menos 30 mil estudantes serão impactados. Na capital, 19 unidades correm o risco de serem fechadas, atingindo cerca de 11 mil estudantes. A Secretaria da Educação do Estado (SEC) nega o número e diz que ainda não há a quantidade de escolas que passarão por mudanças. “O número divulgado pela APLB não corresponde à realidade”, disse a SEC, em nota.
Enquanto isso, pais e responsáveis pelos alunos estão preocupados com as consequências do plano. Além da violência, os custos com transporte e as questões sociais integram o rol de transtornos que preocupam pais de estudantes em Salvador.
Custos
Como boa parte das escolas atende a moradores das próprias comunidades, o fechamento deve elevar custos com deslocamento. No caso de alunos mais novos, aqueles do sexto ano, por exemplo, a despesa é dobrada, pois pais ou responsáveis têm que buscar e levar os estudantes.
Nessas localidades, as escolas funcionam também como espaço de lazer e cidadania, com atividades que envolvem a comunidade do entorno, inclusive nos finais de semana. Outra consequência é uma possível superlotação de salas, uma vez que os alunos de unidades fechadas devem ser transferidos para outras escolas.
Medo
Priscila Vencimento tem três filhos. Em Campinas de Brotas, dois já estudam no Henrique Brito – que tem 182 alunos matriculados. Ex-aluna da escola, ela ressalta que a unidade tem boas condições de infraestrutura e boa relação com o bairro.
“Quando meus filhos vão para a escola, fico tranquila. Não sei como vai ser se tiverem que mudar. A unidade mais próxima fica a três quilômetros, e as demais, em áreas em que há guerra de facções”, salientou.
A dona de casa Tatiane Santana, 37 anos, também tem um filho matriculado no Henrique Brito. “Se ele for para o Colégio Góes Calmon (na Avenida Dom João VI), o mais próximo, terá que pegar ônibus. A gente não tem dinheiro. São R$ 3,70 para ele. E eu, se quiser levar e buscar, gasto R$ 14,80”, reclama.
O professor Glauber Santana, que ensina educação física há 19 anos no Henrique Brito, afirma que os docente estão mobilizados para manter a escola funcionando. Segundo ele, a violência e o custo com o transporte são as principais queixas dos pais que procuram a escola diante do possível fechamento.
“Ter a escola próxima das comunidades é fundamental. Para além da educação, é uma questão social, de qualidade de vida”, diz Glauber Santana. Na próxima segunda-feira, alunos, pais de estudantes e professores da unidade vão fazer uma manifestação na Avenida Bonocô contra o plano de reestruturação.
Amaralina
Na Escola Estadual Cupertino Lacerda, em Amaralina, a preocupação com a guerra de facções também é uma realidade. Por lá, o temor é que os alunos que moram no Nordeste de Amaralina e Vale das Pedrinhas sejam matriculados em escolas localizadas em comunidades dominadas por grupos rivais, como Santa Cruz.
Professores da unidade, que tem 520 estudantes matriculados, contaram que foram comunicados no início de novembro sobre a possibilidade de fechamento e começaram a se mobilizar. Um dos protestos ocorreu na última terça-feira. Assim como no Henrique Brito, o turno da noite do Cupertino já havia sido cancelado no ano passado. Nesse turno, eram atendidos alunos do programa Educação de Jovens e Adultos (EJA).
“Nossos filhos não podem ficar vulneráveis a essa guerra de facções. Estamos falando de vidas, que estão no meio dessa disputa”, destaca a técnica de enfermagem Vanessa Rocha, 38 anos, que tem uma filha matriculada na unidade, fundada há mais de 50 anos.
Ela diz que a escola, que era utilizada pela comunidade nos finais de semana para atividade de lazer, sofre com a degradação há anos. “Não fazem reformas, não investem na infraestrutura. Agora, simplesmente, querem fechar”, queixa-se.
A ambulante Magda Conceição, 26 anos, vê a distância como problema maior. “Aqui (em Amaralina), posso levar e buscar meu filho na escola. A gente também podia ficar de olho neles, porque a escola é perto. Se fecharem, teremos que pagar ônibus. Por isso que tem evasão. Até onde eu sei, a escola tem que estar próxima do aluno”, critica.
Reação
O professor de ciências naturais José Carlos Silva, 63 anos, 27 deles lecionando na escola, lamenta a medida. “Foi de cima para baixo, não fomos ouvidos, nem consultaram pais e alunos. No começo, falaram que já estava definido. Agora, como caímos para dentro, eles recuaram e querem discutir”, disse.
Lhirill Santana, 15 anos, estuda no oitavo ano do Cupertino de Lacerda e diz que a escola oferta uma série de atividades. “Não é só aula. Temos atividades esportivas, jogos e oficinas de arte”, conta o aluno.
Gleidson Seara, 16 anos, também aluno do oitavo ano da unidade, concorda e vai além: “Vim para cá este ano e tenho prazer de estudar. Os professores, mais do que mestres, são amigos”.
Já Maria Rios, 16 anos, do nono ano do Henrique Brito, lembra que a escola funciona em turno integral, o que permite a convivência maior com colegas e professores. “Como todos somos da mesma comunidade, criamos muito vínculo. Aqui, para nós, é uma segunda casa”, afirma.
Plano afeta unidades históricas no interior
Escolas tradicionais em cidades do interior também integram a lista de unidades que podem ser fechadas pelo governo do estado. Os rumores começaram em outubro e já motivaram protestos de alunos e professores.
Uma delas é o Instituto Ponte Nova, em Wagner, na Chapada Diamantina. A escola tem 112 anos de história e foi criada por missionários presbiterianos dos Estados Unidos que eram da Missão Central do Brasil.
Na época, somente três outras cidades possuíam estabelecimentos de ensino médio: Salvador, Ilhéus e Caetité. Caso o encerramento das atividades seja confirmado, os alunos serão transferidos para o Centro Territorial de Educação Profissional (Cetep) da Chapada.
Outra centenária é a Escola Estadual Maria Quitéria, em Feira de Santana. Com 101 anos de história, está localizada na Praça Fróes da Mota, atende a alunos de diversas localidades e foi a primeira escola de meninas do município. Segundo professores, a escola só vai funcionar até dezembro. Os funcionários estão sendo comunicados da transferência para outras escolas.
Em Itabuna, o Colégio Estadual Sesquicentenário (Ciso), que completa 50 anos em 2018, se destaca pela estrutura esportiva. Professores e alunos foram comunicados no início de novembro sobre o fechamento e transferência dos estudantes para outras unidades.
O Ciso já formou atletas que se destacam em competições nacionais e internacionais. Uma delas é a nadadora Ísis Rosário, que integra a seleção brasileira e foi formada no colégio. No ano passado, ela ganhou o Sul-Americano de Natação, realizado na Colômbia.
Sobre esses casos, a SEC informou que, conforme acordado em reunião realizada na última segunda-feira entre gestores da secretaria, representantes da APLB e dos estudantes, “será realizado o atendimento específico em cada unidade escolar para discutir o plano de reestruturação da rede escolar”.
Moradores do Subúrbio temem mudanças
No Subúrbio de Salvador, o drama é o mesmo. Por lá, os colégios estaduais Sara Violeta, no Rio Sena, e Tereza Helena Mata Pires, no Alto do Cabrito, estão na lista de corte. Alunos e professores das duas unidades realizaram manifestações na semana passada.
Uma mãe que pediu para não ser identificada contou que, caso o Sara Violeta seja fechado, o filho dela, de 13 anos, ficará sem estudar. “Isso já foi conversado. Eu não vou permitir que ele fique exposto no meio desse fogo cruzado se for para uma comunidade rival. Esses governantes não sabem as regras das facções”, afirmou.
A ambulante Carla Sampaio, 39 anos, se preocupa com a qualidade da educação. “Hoje sabemos que a escola pública já está muito aquém. Imagine se as escolas forem fechadas e nossos filhos jogados dentro de salas lotadas?”, questiona ela, cujo filho estuda na unidade do Alto do Cabrito e teme que ele seja transferido.
Secretaria reafirma diálogo com comunidade
A SEC informou que iniciará o diálogo em comum acordo com cada comunidade escolar onde há previsão de mudança. O órgão de educação evitou falar em número de escolas que podem ser fechadas ou municipalizadas.
Ao responder sobre os possíveis transtornos relatados por mães de alunos, informou que, entre os critérios adotados para o processo de reestruturação da rede estadual, existe a observação da existência de unidades próximas com a mesma oferta e capacidade física para receber novos alunos.
“Conforme determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o Estado deve garantir o atendimento a todos os estudantes do ensino médio nas escolas estaduais da Bahia e assegurar o ensino fundamental a partir da colaboração com os municípios”, informou a SEC.
O órgão revelou ainda que vem dialogando com diversas prefeituras para realizar migração gradual de unidades do ensino fundamental. Correio