por Tony Goes | Folhapress
Um dos maiores nomes da dramaturgia brasileira, a atriz Eva Wilma morreu neste sábado, aos 87 anos. Ela estava internada no hospital Albert Einstein desde abril tratando um câncer de ovário. A atriz havia sido internada em janeiro deste ano com pneumonia.
Não fosse pela proibição dos pais, Eva Wilma teria iniciado sua carreira no “Holiday on Ice”, o espetáculo de patinação artística que excursionava sem parar pelo mundo afora. Aos 14 anos de idade, ela já era bailarina clássica, e sua desenvoltura a mantinha firme mesmo sobre uma superfície de gelo.
Mas a estreia como atriz não demorou. Em 1952, aos 19, começou no teatro com “Uma Mulher e Três Palhaços” ao lado de seu futuro marido, o ator John Herbert, morto há dez anos. No ano seguinte, fez seu primeiro filme, a comédia “Uma Pulga na Balança”, dirigida pelo italiano Luciano Salce.
Foi em 1953 que também apareceu na televisão pela primeira vez, no seriado “Namorados de São Paulo”, em que contracenava com Mario Sergio. John Herbert logo substituiu o ator original, e o programa teve seu título alterado para “Alô, Doçura”. Com ele, Eva Wilma entrou para a história da nossa TV.
Concebido por Cassiano Gabus Mendes como uma resposta brasileira à série americana “I Love Lucy”, “Alô, Doçura” foi exibido pela Tupi até 1964. Não havia personagens fixos, mas Eva Wilma e John Herbert —com quem a atriz se casou em 1955— sempre interpretavam um casal que enfrentava alguma rusga conjugal. Com episódios de apenas 15 minutos de duração, o programa marcou época, e foi um precursor do que hoje chamamos de sitcom.?
Nas décadas de 1950 e 1960, Eva Wilma também participou de alguns episódios do “Grande Teatro Tupi” e de várias montagens do Teatro de Arena. Seu filme mais importante do período foi “São Paulo S.A.”, de Luís Sérgio Person, lançado em 1965. Mas, em 1969, um teste em Hollywood quase mudou o rumo de sua carreira.
A atriz estava almoçando no restaurante dos estúdios da Universal, em Los Angeles, quando um agente a abordou. Alfred Hitchcock estava procurando por uma atriz latina para interpretar uma cubana no que seria um de seus últimos longas, “Topázio”. Eva Wilma topou na hora, e fez três testes para o cineasta britânico. Acabou preterida pela alemã Karin Dior.
“O meu consolo é que ‘Topázio’ não foi um dos bons filmes do Hitchcock. Eu assisti e dizia para mim mesma ‘esse papel não era para mim’”, disse ela em entrevista ao programa Conversa com Bial, em agosto do ano passado. “Mas era para me conformar mesmo, pois eu queria ter feito.”
De volta ao Brasil, Eva Wilma viu a segunda etapa de sua carreira televisiva deslanchar. Durante pouco mais de dez anos, ela foi a maior estrela das telenovelas da Tupi.
Mesmo diante do crescimento irresistível da Globo, a mais antiga emissora do país emplacou vários folhetins de sucesso naquele período. Quase todos eram escritos por Ivani Ribeiro e protagonizados por Eva Wilma, como “A Viagem”, “A Barba Azul” ou “Mulheres de Areia”. Nesta última, a atriz teve seu papel mais icônico —ou papéis, as gêmeas Ruth e Raquel, uma boa e a outra, má. Foi também na Tupi que ela conheceu seu segundo marido, o ator Carlos Zara, morto em 2002.
A derrocada do canal, em 1980, fez com que ela finalmente se transferisse para a Globo. Já madura, Eva Wilma escapou de interpretar mocinhas na nova casa. Em compensação, ganhou inúmeros personagens marcantes, como as aristocráticas vilãs Francisca Moura Imperial, de “Transas e Caretas”, em 1984, e Maria Altiva Pedreira de Mendonca Albuquerque, de “A Indomada”, em 1997, ou a doutora Marta Correia Lopes, do seriado “Mulher”, de 1998.
Em paralelo, jamais se afastou dos palcos, participando de espetáculos tão diversos como “Antígona”, em 1976, “Esperando Godot”, em 1977, “Pato com Laranja”, em 1980, e “Querida Mamãe”, de 1994 a 1996.
Em 1999, apareceu, ao lado de Eunice Muñoz —tida como a maior atriz de Portugal— em “Madame”, um papel escrito originalmente para Fernanda Montenegro. A peça imaginava o encontro entre duas personagens emblemáticas das literaturas de seus respectivos países, a brasileira Capitu, de “Dom Casmurro”, e a portuguesa Maria Eduarda, de “Os Maias”.
Nos últimos tempos, Eva Wilma se fez rara na TV. Em sua última novela completa, “Verdades Secretas”, de 2015, teve um papel relativamente pequeno, porém marcante. Era Fábia, uma grã-fina arruinada, entregue ao alcoolismo. Desde então, participou de alguns capítulos de “O Tempo Não Para”, em 2018 e 2019, e de um episódio da minissérie “Os Experientes”, de 2019. Há pouco, foi vista na reprise de “Fina Estampa”, novela produzida há dez anos.
Depois de uma internação em março de 2016, ainda voltaria ao palco três vezes. Em agosto daquele mesmo ano, estrelou, ao lado de Nicette Bruno, “O Que Terá Acontecido a Baby Jane” —a primeira direção de uma peça não musical assinada por Charles Möeller e Claudio Botelho. Eva Wilma encarnava a personagem-título, imortalizada no cinema por Bette Davis. Em 2018, participou de uma remontagem de “Quarta-Feira, Sem Falta, Lá em Casa”, de Mário Brasini, junto com Suely Franco e sob a direção de Alexandre Reinecke.
No mesmo ano, estreou o show “Casos e Canções”, em que revisitava sua longa carreira acompanhada ao violão pelo filho John Herbert Júnior e pelo pianista e cantor William Paiva. Em abril do ano passado, no começo da pandemia, apresentou este espetáculo numa live, transmitida online. Foi seu último trabalho.
Filha de um alemão católico e de uma argentina judia de ascendência russa, Eva Wilma Riefle Buckup Zarattini morreu na mesma cidade onde nasceu. Deixa os filhos Vivien e John Herbert Junior, de seu primeiro casamento, e os netos Miguel, Mateus, Gabriela, Francisco e Vitorio. Além, é claro, de um legado imenso –o de uma das mais belas e talentosas atrizes brasileiras de todos os tempos.