Com fogo e desmatamento, Amazônia e Pantanal perdem 3 estados do RJ no ano

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Por Folhapress

Pesquisadores vinham alertando para um possível aumento das queimadas em 2020 por causa dos grandes e crescentes níveis de desmatamento dos últimos anos – Foto: Arquivo / Agência Brasil

O ano de 2020 foi dominado pela pandemia do novo coronavírus, mas o Brasil foi um dos poucos países que conseguiu chamar a atenção mundial em outro assunto: os recordes de desmatamento na Amazônia e as queimadas históricas no Pantanal.

De janeiro a novembro, foram destruídos pelas chamas 116.845 km² do território da Amazônia e do Pantanal, área equivalente a quase três estados do Rio de Janeiro,

Dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) também mostram que a Amazônia perdeu, em um ano, 11.080 km² em área desmatada –maior índice da década.

No Pantanal, o principal problema foram as queimadas, que devastaram 40.171 km², o equivalente a um quarto de todo o bioma.

O aumento nos desastres ambientais ocorreu em um ano marcado por polêmicas envolvendo os principais atores brasileiros na área. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse que o “Ibama não atrapalha mais”.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, falou em usar gado para evitar queimadas (o “boi bombeiro”) e, na expressão mais célebre, defendeu aproveitar a comoção com a pandemia para “passar a boiada” na legislação ambiental. O Ministério do Meio Ambiente foi procurado, mas não se manifestou.

Na avaliação de Suely Araújo, ex-presidente do Ibama, o governo Bolsonaro apresentou problemas na condução da política ambiental. “E a opção tem sido na linha de uma antipolítica ambiental. Tudo o que tem de regras ambientais, o ministro é contra.”

“O ministro Salles e pessoas ligadas a ele, e isso vem do próprio presidente da República, têm uma leitura como se as regras de proteção fossem impeditivo de um padrão de desenvolvimento, de crescimento econômico.”

O cientista Carlos Nobre lembra que, mesmo diante da repercussão negativa de várias decisões, como o revogaço de normas de proteção de mangues e restingas no litoral, Salles não tentou corrigir nenhuma medida.

“Nunca. Como é responsabilidade oficial, formal do Ministério do Meio Ambiente implementar a lei, eu acho que a nota que eu daria para ele é muito próxima de zero.”

O período também foi marcado pela consolidação dos militares à frente das ações para reduzir crimes ambientais.

O país gastou R$ 340 milhões na Operação Verde Brasil 2, na Amazônia Legal. O Ministério da Defesa informou que militares já combateram 7.600 focos de incêndio e prenderam 263 pessoas em flagrante, além de apreenderem 180 mil m3 de madeira ilegal.

A pasta diz que houve redução no desmatamento, em comparação com os mesmos meses de 2019 após emprego dos militares –vale destacar que o ano passado é considerado atípico, com níveis recordes de crimes ambientais.

Há quem, no entanto, levante dúvidas sobre a efetividade da atuação dos militares, a um custo elevado.

“Os resultados do desmatamento, bem como informações relacionadas a queimadas, focos de calor, em geral, mostram que o governo apostou em uma estratégia completamente ineficaz ao colocar os militares à frente do combate ao desmatamento”, diz Cristiane Mazzetti, porta-voz da campanha da Amazônia do Greenpeace.

“Nós temos esse processo de militarização da fiscalização ambiental, ao passo que órgãos ambientais que tinham experiência nesse trabalho de fiscalização seguem sendo sucateados, sofrendo cortes de orçamento e a perda de protagonismo nos combates.”

Para Araújo, ex-Ibama, a autarquia e o ICMbio são frequentemente deslegitimados pelo presidente. Em outubro, Salles instituiu um grupo de trabalho para estudar a fusão dos órgãos. “O orçamento é o espelho de decisões políticas. Quando você manda para o Congresso um valor desse, já é reflexo que a decisão para a junção Ibama e ICMbio já foi tomada. Porque o ICMBio não vai conseguir se manter na parte finalística com recursos tão baixos.”

O Ministério da Defesa afirma que atua na operação para dar apoio logístico e proteção para os órgãos de fiscalização ambiental. A pasta refuta a tese de que se trata de uma operação cara. “Apenas em multas (R$ 1,8 bilhão) por infrações ambientais, nós já aplicamos seis vezes o valor investido na operação”, afirma o vice-almirante Carlos Chagas, porta-voz do ministério.

A atuação dos militares é um dos principais argumentos do vice-presidente Hamilton Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, para tentar mudar a imagem do Brasil no exterior e assim liberar os recursos bloqueados por países como Noruega e Alemanha.

Em relação ao Pantanal, o governo credita grande parte da tragédia à seca severa que atingiu a região neste ano. No entanto, especialistas também afirmam que a seca extrema não pode ser considerada um fator isolado.

Raoni Rajão, coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais e professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), diz que estudos de sua equipe mostram que mudanças climáticas estão relacionadas a desmatamentos regionais.

Além disso, Rajão diz que o fogo não ocorre naturalmente, sendo resultado de ação humana, seja ela irresponsáve, seja criminosa.

“Incentivado talvez com o discurso do governo de que a fiscalização não vai acontecer mais, que vai se acabar com a indústria da multa, que o Ibama não vai mais incomodar os produtores, então você tem um incentivo às ações criminosas.”

Se mantiver a atual política ambiental, a perspectiva é de que o Brasil fique cada vez mais alijado das principais discussões envolvendo meio ambiente no cenário internacional. A projeção ganha ainda mais força quando se lembra que em 20 de janeiro toma posse o presidente eleito dos EUA, Joe Biden.

“O país está se tornando uma espécie de pária ambiental”, afirma Araújo. Para ela, ao Brasil oscila entre negacionismo e uma espécie de chantagem. “Você pressiona por dinheiro quando você fala: ‘Se vocês não me pagarem, eu vou degradar’. É isso que está subentendido”, diz.

Em ação sob relatoria da ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), Bolsonaro afirmou que “não há qualquer omissão federal, posto a grande quantidade de atos em defesa do meio ambiente já adotados”.

Na quarta-feira (23), a ministra havia dado ao presidente e a Salles cinco dias para prestar esclarecimentos em ação ajuizada pela Rede Sustentabilidade. Na quinta (24), Bolsonaro respondeu com parecer da Advocacia-Geral da União.

A Rede aponta falhas do governo na política de preservação ambiental e quer que o STF determine a adoção de medidas concretas contra o desmatamento.