O Brasil ultrapassou a marca das 30 mil mortes em decorrência do novo coronavírus nesta terça-feira, 2, com o registro de 1.262 óbitos nas últimas 24 horas, informou o Ministério da Saúde. O País levou 79 dias para atingir esse patamar após a primeira vítima morrer em 16 de março – a confirmação foi feita no dia seguinte. Apenas quatro países superaram a marca das 30 mil mortes: Estados Unidos, Reino Unido, Itália e agora o Brasil.
“O número de 30 mil é significativo e mostra o desastre que estamos passando no País. Esse número indica a falência que foi o processo de contenção da covid-19 no País. O pior é que temos números ascendentes. Existe uma grande quantidade de casos não testados”, opina o epidemiologista Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da USP.
Do primeiro óbito até o marco das mil mortes, em 10 de abril, foram 25 dias. Quase um mês depois, em 9 de maio, o País passou das 10 mil vítimas, 54 dias após a primeira. Dali para as 20 mil mortes, foram apenas 12 dias e depois mais 11 dias até a marca dos 30 mil mortos. O número de mortes por complicações da covid-19 no Brasil dobrou em pouco mais de duas semanas.
“Alcançamos 30 mil mortes em menos de três meses. A infecção está se propagando de maneira grave. A perspectiva é de impotência. Uma vez que o vírus se propaga, é difícil contê-lo. A capacidade de resposta é ampla, mas estamos caminhando para uma saturação”, diz o infectologia José David Urbaéz, da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Embora a velocidade de contágio esteja acelerada, os outros países demoraram menos tempo para alcançar a marca de 30 mil óbitos. Nos Estados Unidos, ela foi atingida no 47º dia após a primeira morte; no Reino Unido, no dia 59º dia. A velocidade com que as mortes ocorrem está ligada ao número de pessoas infectadas. Gabriela Cybis, professora do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, afirma que o processo de transmissão depende da quantidade de casos. “Se existem muitas pessoas infectadas, a tendência é que o número cresça rápido. Esse efeito multiplicativo é uma decorrência, entre outras coisas, da matemática do processo e da dinâmica social de interação”, diz.
O epidemiologista Pedro Hallal coordena um estudo no Rio Grande do Sul sobre o número de infectados. A pesquisa, a primeira em âmbito nacional, estima que o número de casos seria sete vezes maior no Brasil. “Se repetir o padrão dos países que têm estágios mais avançados, estamos muito perto do pico no Brasil”, diz Hallal.
Alguns Estados têm adotado planos de reabertura que, ainda que graduais, podem alterar o fluxo da epidemia e prolongar a chegada do pico. É o caso de São Paulo, cujo governador, João Doria, anunciou uma retomada em cinco fases a partir deste mês apenas 15 dias após registrar recorde de novos casos do novo coronavírus.
“Praticamente todos os países que já passaram por essa fase, no momento do pico ou ao redor do pico, estavam fechados. O Brasil está aplicando um modelo diferente”, diz Hallal. Ao redor do mundo, conforme mostrou o Estadão, os países mais afetados pela pandemia esperaram, pelo menos, um mês após o pico para iniciar a reabertura. Segundo o epidemiologista, o País até começou a fechar cedo, na hora certa, mas tem adotado uma reabertura precipitada.
Rafaela Rosa-Ribeiro, doutora em biologia celular e estrutural e que trabalha atualmente com um grupo de virologistas no Ospedale San Raffaele, em Milão, na Itália, lembra que o Brasil possui elevado número de casos e realiza poucos testes. “Pode ser que a situação seja ainda mais crítica nas próximas semanas”, alerta a brasileira.
A especialista faz uma comparação entre Brasil e Itália. Depois de ser o epicentro da doença na Europa, os italianos chegaram aos 33 mil mortos e agora iniciam a retomada das atividades econômicas. “Aqui na Itália não tivemos a fase de negação da doença. Assim que ela estava se espalhando, os cidadãos e os líderes já assumiram suas responsabilidades para tentar frear o espalhamento e se organizar em termos de atendimentos médicos e ajuda social. Quando chegamos a esse número, já estávamos fazendo medidas importantes e havia uma expectativa de quando os casos começariam a baixar. Havia esperança”, diz a especialista.
No dia 19 de maio, o Brasil registrou 1.179 mortes no período de 24 horas. No dia seguinte, caiu para 888 óbitos contabilizados em um dia, mas em 21 de março teve um novo recorde de 1.188 mortos. E por quatro dias seguidos, de 26 a 29 de maio, foram registradas mais de mil mortes pelo novo coronavírus em 24 horas. Atenta para a situação da pandemia no Brasil e em outros países da América, a Organização Mundial da Saúde diz que o pico do novo coronavírus no continente ainda não foi atingido. Em 22 de maio, a entidade classificou a América do Sul como o novo epicentro da pandemia, destacando que o Brasil é o local mais afetado da região.
O professor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP, Eliseu Waldman, afirma que, em média, o Brasil tem um aumento de casos e mortes devido à covid-19. Para ele, a expansão da doença para algumas capitais, como a de Mato Grosso, por exemplo, e a interiorização do vírus preocupam. “Acho que os prefeitos, pressionados pelas forças econômicas de elite da cidade, acaba cedendo (na reabertura) e você tem aumento (de casos)”, diz.
O fato de o País não ter conseguido construir um consenso sobre as medidas de distanciamento social, delegado a governadores e prefeitos a decisão de abrir ou fechar suas regiões, também tem impacto no aumento da pandemia. “A gente está pagando um preço por isso”.
“Ainda não sabemos o tamanho do impacto da interiorização da epidemia. Provavelmente, cada Estado vai ser diferente e cidades pequenas e médias terão maior impacto porque não têm estrutura médica para atender”, analisa Waldman. “O próximo mês não será muito bom para o Brasil nem América Latina”, prevê o professor. Estadão conteúdo.