Morreu no último sábado dia (5), na Agrovila 7, no município de Serra do Ramalho, José Marcos de Souza, aos 117 anos de idade, conhecido como “Zé Cabeça”. Ele era considerado o homem mais velho do oeste da Bahia.
Nascido na localidade rural de Barreiro, zona rual de Riacho de Santana, ele mudou para Serra do Ramalho ainda na sua sua infância, onde desenvolveu a atividade de agricultura familiar.
José morreu de morte natural, e seu corpo foi velado na Agrovila 7 e sepultado neste domingo(6) na Agrovila Agrovila 11.
Carregando muitas memorias, José gostava de contar histórias, e participou de várias entrevistas[trabalhos acadêmicos] de estudantes da região. E mesmo rodeado do carinho da família, em diversos momentos sentia falta dos amigos que cresceram com ele, já que todos partiram sem ter o privilégio de viver mais de um “século”.
Uma das entrevistas feita em 2015, ele conversou com Lucélia Borges, que era estudante na época do Campus VI da UNEB de Caetité.
Leia a história “As cento e cinquenta mentiras”
Um rapaz pobrezinho que morava com seu pai, vendo que a situação não melhorava, decidiu sair pelo mundo a buscar trabalho. Deixou o pai sadio, mas, quando voltou, tempos depois, o encontrou prostrado numa cama.
— O que aconteceu, meu pai? Quando saí deixei o senhor são e agora o encontro nessas condições!
— Ah, meu filho! Você não sabe é de nada! — disse, em tom lamentoso, o velho. — Eu, para me pabular, espalhei por aí que era capaz de contar cento e cinquenta mentiras. O problema é que algum fuxiquento contou para o rei, que mandou me chamar para saber se eu sustentava o que disse. E, se eu não contar, serei degolado. Mas como eu vou contar cento e cinquenta mentiras? Já sou um homem derrotado!
O moço o tranquilizou:
— Então se for só por isso que o senhor está doente, pode ficar aliviado que eu vou lá no seu lugar contar as mentiras!
— Eu que sou seu pai não dou conta, que dirá você!
E mesmo contra a vontade do pai o rapaz rumou para o palácio. Quando lá chegou, bateu palmas e explicou que veio atender o chamado da Majestade no lugar de seu pai, que estava passando mal e não tinha condições de atender o rei.
O rei, avisado pela guarda, foi ao seu encontro e lhe disse:
— Pois bem, o chamado era para seu pai. Já que veio você, é bom dar conta do recado ou será degolado!
O moço não se fez de rogado e começou a lorota:
— Olha, seu rei, meu pai tinha cento e cinquenta mosquitos num cortiço. Contamos e faltava um mosquito. Fomos atrás dele e o achamos longe, numa mata. Abrimos o mosquito, que deu cento e cinquenta garrafões de mel e cento e cinquenta arrobas de cera. Então, para abrir o caminho para carregar tanto mel e tanta cera, pegamos uns machados desacunhados, que de nada serviam. Meu pai ficou tão nervoso que resolveu botar fogo para queimar os cabos dos machados, mas, em vez disso, queimou-se o ferro. Ele, então, teve a ideia de pegar esse ferro e fazer dois anzoizinhos, pois ali próximo passava um riachinho, onde fomos pescar. Na pescaria, pegamos cento e cinquenta arrobas de peixes. Jogamos de novo o anzol e veio uma mulinha pendurada pelo beiço. Carregamos os peixes na mulinha, que ficou com as costas machucadas. Ensinaram a meu pai para pôr fava para calçar o lombo da mula, mas não disseram se era crua ou torrada. Meu pai pôs crua. Nasceu um pé de fava, e na mesma hora estava carregado. Fomos colhê-la, e daí a pouco passou um porco. Meu pai pegou o facão e cortou-lhe só o cabinho! Esse cabinho bateu lá, bateu cá e, quando o apanhamos, deu cento e cinquenta arrobas de toucinho e cento e cinquenta arrobas de fava…
Nisso, o rei interrompeu:
— Chega! Pode parar! Devo reconhecer que você mente de carrada!
Então, o rapaz embolsou uma boa quantia de dinheiro e voltou para casa, feliz da vida. Escapou com vida e tirou o pai da forca!
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NOTAS
Classificação ATU – 1920C (The Lord and Peasant Makes Agreement upon Lying)
Informante: José Marques de Sousa (Zé Cabeça),
Local: Agrovila 07, Serra do Ramalho, Bahia.
Transcrição: Lucélia Pardim
Classificação ATU: Paulo Correia, CEAO, Faro, Portugal.