Campanha da Fraternidade 2019 e nossa realidade

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Manifestação na entrada do aeroporto de Bom jesus da Lapa em 2018, na visita de governador. Foto: José Hélio/Notícias da Lapa

Todos os anos a Igreja no Brasil convida os fiéis e a sociedade em geral para no tempo quaresmal refletir uma temática que nos leve ao comprometimento na transformação do mundo. Sabemos que a fé é o olhar para Deus e o olhar para a vida. Deus ao criar o mundo nos deu o mandato de cuidar deste mundo e preservar sua harmonia. Nós somos colaboradores de Deus na manutenção do mundo.

Este ano o tema proposto é “Fraternidade e Políticas públicas”. O lema inspirado no profeta Isaías nos recorda que ” Serás libertado pelo direito e pela justiça (Is 1,27)”. Essa temática quer suscitar nos fiéis um novo olhar para o seu papel de cristãos na sociedade. Refletir sobre Políticas públicas é analisar a nossa realidade, perceber onde os nossos direitos básicos estão sendo violados, articular meios de diálogo e reivindicações com os órgãos competentes e acompanhar os projetos. A participação nesse processo é fundamental quando reconhecemos que somos nós os responsáveis pela sociedade. Os representante não estão no cargo para fazerem o que querem ou não fazer o que não querem. São a voz do povo, necessitam ser fiéis ao povo e fazer do povo protagonista das lutas sem querer aparecer ou fazer carreira diante da articulação e conquistas de um grupo.

Sabemos que na nossa realidade de comunidades tradicionais, quilombolas e assentamentos temos muitos direitos violados. A Campanha nos convida a articularmos, discutirmos e lutarmos pelos nossos direitos. Esse poder de conquistar melhorias sociais é exclusivo do povo organizado, consciente e corajoso. Temos bem claro na nossa história o quando o envolvimento popular e a articulação em prol de conquista direitos pode dar frutos. Quero aqui citar um exemplo recente como modelo de participação popular numa causa comum e os benefícios.

No ano de 2018, depois de tantas tentativas ao logo de anos por parte do povo, vereadores, e instituições, a população das comunidades quilombolas, assentamentos e tradicionais acordaram para o poder de articulação escondido em cada coração. Sabemos que a BA 160 no trecho Lapa até Malhada é um retrato claro do descaso político, exclusão e desumanidade.

Na vinda do governador a essa cidade o povo interessado, juntamente com a Igreja e Comissão formada para esse fim, manifestaram de forma pacífica exigindo um posicionamento do poder público sobre a situação. Fechamos a entrada do aeroporto! Faixas, músicas, apitos e expressões revelavam o motivo da nossa presença ali. Uma faixa trazia escrito: “Quem mora em buraco é tatu- bola e não quilombolas”. A indiguinação era grande, mas o poder de articulação maior ainda. Todo aquele movimento gerou uma repercussão nas mídias e em toda cidade. Aquele dia tinha algo diferente das outras manifestações anteriores sem êxito. O que tinha de diferente? Era uma manifestação do povo! A voz era do povo. Políticos não foram convidados. Não tiveram voz, pois o povo aprendeu a gritar com a sua própria já que cansaram de ver representantes muitas vezes mudos ou elevando uma voz interesseira.
Conseguimos dialogar com governador e naquela ocasião publicamente anunciou o investimento para recuperação da BA 160.

No início desse ano vemos os frutos dessa luta. Após processo de licitação e toda burocracia necessária, uma empresa de Salvador, Atlântico Engenharia, chega ao solo desse povo sofrido, mas guerreiro para iniciar as obras. Já vemos os maquinários prontos para iniciar. A quem parabenizarmos nesse momento? Ao povo que compreendeu que direitos se conquistam no engajamento social, luta e articulação. Lembro-me de cada rosto em meio ao sol quente daquela manhã no aeroporto acreditando nesse sonho. Meus irmãos e minhas irmãs estamos vendo o resultado de nossa manifestação! Valeu a pena lutar e precisamos continuar acompanhando.

Tenho me esforçado muito para desenvolver a consciência crítica e política no nosso povo. Como entristece ver que ainda hoje há lobos com pele de cordeiro, explorando, mentindo, crescendo nas custas de um povo simples.

Nesse tempo quaresmal quero com missionário fazer duas alertas. Primeira a quem tem se aproveitado da situação assumindo mérito que não é seu: Cuidado! O povo não está tão ingênuo. É melhor a sinceridade de que caminha junto do que a esperteza de quem caminhará sozinho. Deus nunca abandonou seu povo. Eis o tempo de conversão! Deixem de lado o que não lhe torna verdadeiro líder e assuma atitude nova. Não engane, explore nem iluda.Segunda ao nosso povo amado: continuemos nossa luta. Muito há por conquistar. O caminho tem as cruzes, mas não estamos sozinhos. Busquemos cada vez mais o envolvimento e o conhecimento das políticas públicas. Não estamos pedindo favores. Apenas a realização dos direitos.

Tudo que vier a ser realizado em prol da BA 160 será conquista do povo e de quem se somar a ele de forma honesta. Não há espaço para aparecer nome desse ou daquele. Só há dois protagonistas nessa vitória: Deus e o povo.
Assumam comunidades esse mérito. Quando quiserem lhe iludir, não tenham medo de dizer a verdade. É assim que afugentamos o mal do meio de nós.
Seremos todos libertados pelo conhecimento dos nossos direitos e pela prática da justiça.

Pe. Marcos, CSsR