O desastre político e o respeito à Constituição
Os últimos acontecimentos políticos experimentados no Brasil têm causado um furor como poucas vezes se viu na história da nação. O vazamento à imprensa de trechos da delação premiada realizada pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, do grupo JBS – investigados em desdobramentos da Operação Lava Jato, com a Procuradoria Geral da República, e divulgadas na quarta-feira (17), lançam o atual governo na sua maior crise. Os desdobramentos do caso colocam o presidente Michel Temer como alvo de graves acusações, uma vez que haveria o seu explicito aval a uma suposta operação de compra de silêncio do deputado cassado e ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e de Lúcio Funaro, que seria seu operador financeiro.
Situações criminais que envolvem altos mandatários da nação, geralmente causam, para além dos problemas de insegurança política, grave insegurança jurídica – especialmente diante do clima de polarização estabelecido no Brasil. Todavia, a transformação um processo que deveria ser estritamente jurídico, em uma rinha político-ideológica, pode ter consequências desastrosas. Se no plano político, a delação dos irmãos Batista tem efeitos imediatos e devastadores, no campo jurídico é necessário tempo para investigar, processar e punir, sempre de acordo com as leis e a Constituição.
Já foi instaurada, perante o Supremo Tribunal Federal, uma investigação criminal que poderá ou não culminar em uma denúncia contra o presidente Temer, por parte do Procurador Geral da República. Caso haja denúncia, a Constituição estabelece a necessidade de uma autorização política da Câmara dos Deputados para prosseguimento do processo penal, por dois terços dos Deputados. Havendo tal aprovação, o processo é encaminhado para o Supremo Tribunal Federal e, se a denúncia for recebida pelo Plenário do Supremo, o Presidente estará automaticamente afastado de suas funções.
Além disso, tais atos poderão ser considerados infração político-administrativa, levando a um processo de impeachment do presidente, que também poderá levar ao seu afastamento provisório e, depois, à perda do cargo. Vale ressaltar que, neste sentido, já foi protocolada na Câmara, solicitação do deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) sendo necessário, ainda, o aceite do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Em caso de perda definitiva do mandato do presidente Temer, como ficarão vagos os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República eleitos em 2014, durante a segunda metade do período presidencial, a Constituição determina que seja realizada eleição indireta, no prazo de 30 dias, pelo Congresso Nacional, em sessão conjunta dos Senadores e Deputados Federais. O presidente e o vice-presidente eleitos pelo Congresso Nacional terão um mandato tampão, apenas para completar o período faltante dos de seus antecessores.
Eventual processo, criminal ou de impeachment, deverá observar todas as garantias processuais, pautar-se por argumentos jurídicos, e a decisão final deverá ser o resultado da produção e valoração de provas e da correta interpretação das normas. A Nação nada tem a ganhar com movimentações que insistem em sobrepor interesses políticos-ideológico-partidários ao princípio da legalidade. Nos momentos de crise é que o respeito à lei e a integral observância da Constituição tornam-se mais necessários. Um desastre político tem o poder de destruir reputações e carreiras, mas por maior que seja, não autoriza violar a Constituição.
*Gustavo Henrique Badaró é Professor livre-docente em Direito Processual Penal da Universidade de São Paulo (USP), advogado criminalista e consultor jurídico.