Orientar, organizar e institucionalizar um trabalho que antes era feito basicamente por defensores(as) públicos(as) e servidores(as) que tinham afinidade pessoal com a pauta quilombola. Foi com este propósito que a Defensoria da Bahia lançou nesta quarta-feira (22) o Protocolo de Atuação em Defesa dos Direitos das Comunidades Quilombolas, em videoconferência realizada pela Escola Superior e o Núcleo de Equidade Racial da instituição.
O documento, que opta pela atuação extrajudicial para resolução dos conflitos, dá diretrizes e roteiros práticos do que fazer quando uma comunidade tradicional – potencial alvo de violências sistemáticas – procura a Defensoria. “Servirá para a compreensão das necessidades comunitárias e oferecerá sugestões de como realizar abordagens com mais chance de sucesso”, diz o protocolo.
Na oportunidade, houve também um pequeno treinamento para aplicação do protocolo com a participação de diversos(as) defensores(as) e servidores(as) que atuam no interior da Bahia, que aproveitaram o momento para sanar dúvidas. De acordo com a defensora pública que coordena o Núcleo de Equidade Racial da DPE/BA, Vanessa Nunes, a atuação com as comunidades tradicionais precisa ser um posicionamento institucional, não uma afinidade pessoal. Para ela, a escolha do documento pela atuação extrajudicial é uma forma de promover o protagonismo das comunidades na construção dos encaminhamentos.
Já a defensora pública Cláudia Conrado, membra do Núcleo que ajudou na construção do documento, destaca também a pluralidade dele. “Apresentamos um projeto fruto de muitas mãos e da escuta de muitas vozes e queremos dedicá-lo a todas as 736 comunidades quilombolas no Estado da Bahia”, pontuou. Cláudia reforça que o Protocolo não tem o objetivo de esgotar as possibilidades de atuação, que são enormes. “É um modelo, um ponto de apoio, uma vivência que trazemos a partir da atuação prática em diversas comunidades no estado”, ressaltou.
“Este talvez seja um dos produtos mais ricos que a defensora já produziu para direcionar e fundamentar a atuação extrajudicial da instituição. É uma satisfação enorme participar desse trabalho, conduzido com tanta dedicação e zelo pelo Núcleo de Equidade Racial”, destacou o defensor Gilmar Bittencourt, membro do Núcleo.
O Protocolo elenca dezenas de modelos de ofícios para serem encaminhados à polícia, poderes públicos, secretarias e órgãos municipais e estaduais em geral, solicitando investigação em caso de violência e também implementação de políticas públicas. Outro diferencial é que o documento traz didaticamente noções sobre o que são os quilombos, a sua trajetória na história brasileira e a sua dimensão jurídica.
O documento foi enviado pelo Núcleo de Equidade Racial para todos os membros da instituição.
Não é apenas território
A defensora Cláudia Conrado explicou que o Protocolo é importante, justamente por causa de uma cultura jurídica formal que costuma direcionar os problemas vividos nas comunidades quilombolas para a Justiça Federal e a União.
“Não são questões apenas territoriais. É identidade, é cidadania, são políticas públicas. O profissional não pode simplesmente dizer: Procure a Justiça Federal. Não podemos esquecer que cada uma destas comunidades tem suas particularidades, e isso não tira a responsabilidade da Defensoria, do Estado e nem dos Municípios”, asseverou.
Inclusive, muitos problemas de acesso à água, rede de esgoto, energia elétrica e outros direitos básicos só são resolvidos com o intermédio da Defensoria estadual, que atua em parceria com outros órgãos para saná-los.
Segundo ela, o Protocolo está dividido por área de atuação e trabalha com a noção de responsabilidade compartilhada. “A violência é o primeiro ponto, pois está ligada aos conflitos possessórios, ambientais, e isto exige atuação conjunta com demais órgãos públicos”. No entanto, o documento elenca outros pontos como as demandas na área de assistência social, saneamento básico, saúde, educação e até violência doméstica.
“Em regra, as violações denunciadas pelas comunidades quilombolas incluem ameaças de expulsão do território (por fazendeiros, grileiros, especuladores imobiliários, até mesmo pelo próprio Poder Público), danos ambientais, mas também dificuldades de acesso aos serviços públicos em geral”, indica o documento.
O Protocolo utiliza como principais fontes as informações levantadas na audiência pública “Regularização fundiária e os conflitos socioambientais nas comunidades quilombolas”, promovida pela Ouvidoria Cidadã da DPE/BA em 2021, e a convivência com as comunidades quilombolas – em especial, as de Bom Jesus da Lapa, com a atuação da defensora Cláudia Conrado, e as de Cachoeira, Santo Amaro e Lauro de Freitas, com a atuação do Defensor Gilmar Bittencourt.