Por Thiago Bethônico | Folhapress
O projeto de lei sobre mercado de carbono que foi aprovado nesta quarta-feira (4) pelo Senado deixou de fora o setor econômico que mais emite gases de efeito estufa no Brasil: o agronegócio.
Uma mudança no relatório final acordada entre o governo federal e a FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) livrou a atividade da possibilidade de ter de medir e controlar suas emissões de carbono da mesma forma que indústria, produção de energia e outros segmentos deverão fazer.
A proposta deve seguir direto para a Câmara, onde pode sofrer alterações. No entanto, com 300 deputados na bancada ruralista, é improvável que uma reinclusão do setor no mercado regulado ocorra.
De acordo com o Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa), braço do Observatório do Clima, a agropecuária é responsável por 25% dos gases de efeito estufa do país.
Essa proporção, contudo, pode ser ainda maior, já que a principal causa de emissões no país é o desmatamento (mudança no uso da terra), que também está ligada ao agro. Juntas, as duas atividades são responsáveis por 74% das emissões brasileiras.
O objetivo de um mercado regulado é reduzir o carbono na atmosfera. Na prática, o governo limita a quantidade de gases de efeito estufa que determinados setores econômicos podem emitir e concede “licenças” para as empresas.
Para poluir acima do “orçamento”, as companhias precisam comprar cotas, que são vendidas pelo órgão regulador ou pelas organizações que conseguiram cortar suas emissões.
A ideia é instituir um sistema de pressão e incentivo para que atividades econômicas reduzam suas pegadas ambientais.
O projeto aprovado nesta quarta cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões, responsável por controlar o setor, e define que será desenvolvido o Plano Nacional de Alocação.
Estão sujeitos à nova lei todas as empresas emissoras de 10 mil toneladas de gás carbônico ou mais por ano, sendo que as que produzam acima de 25 mil ficam obrigadas a maior rigidez no monitoramento de suas atividades.
O texto aprovado manteve a sugestão do governo de que o não cumprimento das regras da lei —ou a não apresentação dos relatórios periódicos de emissões— pode causar multa de até 5% no faturamento bruto.
O sistema será aplicado gradualmente. O governo terá até dois anos, após a aprovação do texto, para realizar a regulamentação do mercado, depois três anos para um período de testes —ainda sem penalização. Com isso, a efetivação do plano deve ficar só para o fim da década.
No Brasil, a criação do sistema estava prevista desde 2009, na Política Nacional sobre Mudança do Clima, mas nunca chegou a ser operacionalizado.
Especialistas apontam o atraso do país nessa agenda, que ganhou peso global nos últimos anos, mas ficou estacionada em meio a política antiambiental da gestão de Jair Bolsonaro (PL).
Por isso, a aprovação da medida no Senado é vista com entusiasmo, embora a exclusão do agronegócio do escopo seja considerada negativa.
O relatório da senadora Leila Barros (PDT-DF) diz que a decisão reflete o que se observa nos principais mercados regulados de carbono, em que a agropecuária não é incluída “sobretudo pela importância do setor para a segurança alimentar e pelas muitas incertezas ainda existentes na metodologia de estimativa dos inventários de emissões do setor”.
De fato, nenhum país com mercado de carbono implementado tem o agro na lista de atividades reguladas. Mas também são poucos os locais onde o principal impacto no clima vem desse setor. Na China, nos Estados Unidos e na Europa, os principais emissores são indústria e geração de energia.
Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas, diz que o projeto de lei tinha tudo para ser bom, mas foi totalmente diminuído ao excluir a produção primária agropecuária do mercado regulado.
“Não tem em nenhum lugar do mundo isso de excluir o principal setor emissor do mercado regulado, não faz nenhum sentido. O mercado vai nascer nanico, super-reduzido”, afirma.
Na avaliação dele, o Brasil poderia ter um dos mercados mais inovadores do mundo se incluísse o agro. “Mas não, você faz um projeto de lei que tinha potencial para ser uma coisa incrível e mata ele logo no primeiro artigo. Realmente não faz sentido”, afirma.
Segundo Ronaldo Seroa da Motta, professor da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), e um dos principais especialistas no assunto, os mecanismos de comércio do PL são iguais às melhores práticas do mundo, mas “é uma pena” que o agro não tenha entrado no sistema de precificação.
Seroa pondera que se trata de um setor cujas emissões têm maior complexidade. Na indústria, por exemplo, os gases de efeito estufa são concentrados em alguns processos, enquanto na agropecuária eles estão mais dispersos —inclusive em milhares de propriedades rurais.
No entanto, isso não justificaria a exclusão. “É um fato, mas não é um motivo”, afirma.
Na avaliação dele, em função dessas peculiaridades, o setor poderia entrar no projeto de uma forma mais gradual.
“Até para o agro seria bom, porque eles poderiam dizer no exterior: ‘Nós somos o único setor agropecuário do mundo dentro de um mercado de carbono’. Perderam uma oportunidade enorme de ter um selo ambiental”, diz.
Um dos questionamentos sobre o formato de mercado de carbono aprovado no PL é a efetividade que o sistema terá para descarbonizar a economia —já que deve cobrir apenas os segmentos responsáveis por uma fração das nossas emissões.
Segundo Seroa, embora o agro tenha ficado de fora, há abertura para que empresas do setor possam participar do mercado voluntário.
Isso porque o projeto prevê que alguns segmentos ofereçam créditos, desde que sejam calculados por metodologias credenciadas. Nesse cenário, o agro teria incentivos para participar.
Ele cita o exemplo de uma propriedade com excedente de reserva legal, que pode achar mais interessante vender os créditos de carbono que essa área proporciona do que desmatar para produzir alguma coisa.
Gustavo Pinheiro, coordenador do portfólio de economia de baixo carbono do ICS (Instituto Clima e Sociedade), considera o projeto positivo, que reflete a maturidade do debate —embora não seja perfeito.
“Não é uma surpresa o agro ter ficado de fora dos setores regulados. A surpresa seria se o oposto tivesse acontecido, uma vez que nenhum instrumento de mercado em outras jurisdições regula o setor agropecuário”, diz.
Para ele, a participação do agro no mercado ainda pode ser mais bem definida no debate na Câmara dos Deputados, o que vai depender de bastante alinhamento, já que a bancada ruralista tem cerca de 300 votos na Casa.
Coordenador do Programa de Política e Economia Ambiental do FGVces (Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas), Guarany Osório também diz que começar a precificar o carbono é um passo positivo para o Brasil.
Ele pondera que há maior dificuldade em medir as emissões do setor agropecuário com precisão, mas diz que a versão anterior do projeto de lei tinha uma redação mais adequada, que não fazia uma definição setorial de largada.
“O agro poderia estar elegível. Possivelmente na regulamentação, [o setor] não ia entrar logo no começo —porque um critério importante é que todo mundo consiga mensurar, relatar e verificar as emissões com uma metodologia consagrada—, mas deixaria a porta aberta para discutir futuramente, com o mercado mais maduro”, afirma.