Via Folhapress
Em 25 anos, o Brasil teve queda de 59% nas mortes de pedestres atropelados, ao mesmo tempo em que aumentou em até nove vezes o número de ciclistas e motociclistas que se tornam vítimas de acidentes fatais de trânsito.
O período coincide com a vigência do Código de Trânsito Brasileiro, que trouxe novidades como o sistema de pontos da CNH (Carteira Nacional de Habilitação), o uso obrigatório do cinto de segurança e a punição de infrações com prisão.
Hoje, a quantidade de mortes no trânsito está ligeiramente abaixo do patamar de 1997, último ano do antigo código nacional.
De acordo com os números mais recentes do Ministério da Saúde, foram 32,3 mil em 2021. Quando a lei atual entrou em vigor, morriam 35,6 mil pessoas no trânsito por ano.
A alta da mortalidade entre ciclistas, motociclistas e até motoristas de carros acompanhou o aumento na quantidade de veículos circulando. A frota de motos no país cresceu 983% enquanto o número de motociclistas que morrem por ano aumentou 977%, por exemplo.
Isso se reflete no estado com a maior frota de veículos do país. Em São Paulo, as mortes de condutores, passageiros e pedestres em acidentes envolvendo motocicletas bateram recorde: foram 2.089 vítimas no ano passado, uma alta de cerca de 8%. Na cidade de São Paulo, a alta foi de 29%.
Especialistas em tráfego afirmam que as regras do código atual são boas, mas falta aplicação correta e fiscalização. O número de mortes ainda é considerado altíssimo.
“Esses números significam que em 20 anos nós matamos [no trânsito] o equivalente a uma pandemia de Covid-19, e o problema é que, se vamos ter uma pandemia a cada século, os acidentes matam uma quantidade enorme de pessoas todos os dias”, diz o engenheiro Sergio Ejzenberg, mestre em transportes pela Escola Politécnica da USP.
Recorde negativo
O país chegou ao recorde de vítimas em 2012, com mais de 45 mil mortes em rodovias, ruas e avenidas. Foi um ano marcado por tragédias causadas por motoristas embriagados, o que levou à aprovação de um endurecimento na fiscalização da chamada Lei Seca.
A partir de então, qualquer concentração de álcool aferida por bafômetro ou teste de sangue passou a ser punida, e não apenas a partir de certo limite.
Dobrou-se o valor da multa para quem é flagrado bêbado ao volante, e a recusa a fazer o teste do bafômetro também deixou de ser determinante para que alguém seja processado. Vídeos e o relato de testemunhas passaram a ter mais peso para comprovar a embriaguez do motorista.
O número de mortes então caiu 26% até 2019 e só voltou a subir novamente em 2020 -mesmo com a queda na circulação de veículos naquele ano, o primeiro da pandemia.
O governo Jair Bolsonaro foi o primeiro a reformar o sistema de pontos da CNH. Em vez da suspensão da carteira sempre que se acumulam 20 pontos, as regras agora variam de acordo com a quantidade de infrações.
Quem comete apenas faltas leves e médias pode gastar 40 pontos. O condutor é suspenso com 30 pontos, se cometer uma infração gravíssima, e com 20 pontos, se tiver cometido duas ou mais infrações gravíssimas.
“Houve um retrocesso no afrouxamento do sistema de pontos e teríamos que voltar ao sistema anterior, na minha opinião”, diz o advogado Maurício Januzzi, especialista em direito do trânsito.
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Ele também defende um debate nacional sobre o enquadramento de mortes provocadas por motoristas embriagados como homicídios com dolo eventual, quando o autor assume a possibilidade de provocar uma morte -hoje, é comum que a sentença varie de acordo com a interpretação do juiz.
O Código de Trânsito também passou, durante um quarto de século, por mudanças que moldaram os equipamentos de segurança dos veículos. O primeiro vaivém foi em relação ao kit de primeiros socorros no porta-luvas, que teve a obrigatoriedade revogada um ano após a lei entrar em vigor.
O item era considerado ineficaz. “O que tinha ali dentro não servia para atender ferimentos comuns em acidentes nas estradas”, conta o pesquisador Horácio Augusto Figueira, que é engenheiro de tráfego de transportes.
Além disso, um dos itens vetados por Fernando Henrique Cardoso, presidente à época, foi a obrigatoriedade dos airbags nos carros –regra que acabou entrando em vigor em 2009.
Já para a exigência do freio ABS, um sistema antitravamento das rodas, não foi preciso alterar o código: ele foi incluído por meio de uma resolução do Contran (Conselho Nacional de Trânsito).
“O que precisamos mudar é a cabeça dos gestores e das pessoas que estão no trânsito”, diz Figueira.
“O código não é aplicado na prática porque os gestores têm medo de incomodar o eleitor e perder voto. E como a conta das mortes no trânsito não vai para o prefeito, se morrerem dez, 50 ou 500 pessoas por ano não vai mudar nada para a gestão dele. E deveria mudar”, finaliza.