A população em situação de rua no Brasil cresceu 38% desde 2019 e chegou em 2022 a 281,4 mil pessoas, segundo um levantamento publicado na quinta (8) pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Em uma década, o aumento foi de 211%, muito superior ao crescimento da população geral no Brasil, de 11%.
A pesquisa do Ipea faz uma estimativa da população que está na rua a partir de dados informados pelos municípios, pelo Censo Suas, que é preenchido pelas secretarias de assistência social estaduais e municipais e pelos dados do CadÚnico (Cadastro Único), que serve para registro e acesso a serviços essenciais de assistência.
Além disso, é adicionado ao cálculo um conjunto de taxas de pobreza e de urbanização das cidades.
O instituto diz que é necessário ampliar a busca ativa por pessoas em situação de rua para a inscrição no CadÚnico, porque a estimativa é de que as cadastradas representem 31% do contingente total.
Embora a contagem oficial do segmento seja parte da Política Nacional para a População em Situação de Rua, criada em 2009, os censos demográficos, inclusive o de 2022, ainda consideram a população por domicílios.
“Isso implica prejuízos para a correta avaliação da demanda por políticas públicas por parte desse segmento”, diz o pesquisador do Ipea Marco Antônio Carvalho Natalino, autor do estudo.
As estimativas e a publicação do Ipea também não apresentam recorte de gênero, embora seja possível inferir que diferentes grupos de gênero, etnia e situação econômica sejam atingidos de forma diferente.
Um exemplo está em um estudo de 2020 do IBGE, que identificou que mulheres ocupavam 71,9% dos empregos perdidos no primeiro ano da pandemia.
Segundo Janaína Gomes, doutora em direitos humanos pela USP, a feminização da pobreza é um fenômeno verificado em outros campos de pesquisa e também se aplica ao problema de quem vai parar na rua.
“A questão é estrutural, precisamos de alternativas de saída da rua, para que as pessoas tenham garantias. A alta da pobreza aumentou despejos, aumentou dificuldade de pagar aluguel, e mais famílias e mulheres têm ido para situação de rua”, afirma.
“Mulheres e famílias em situação de rua vivem precariedades e violências muito particulares, que ainda estamos por entender, porque até recentemente a maior parte da população de rua era de homens”, explica.
O Ipea diz no estudo que o crescimento do contingente de pessoas na rua torna a formulação e a execução de políticas públicas de assistência em saúde, alimentação, espaços de convivência e acolhimento um desafio ainda maior.
O próprio crescimento, para Gomes, pode ser visto como um reflexo de políticas insuficientes.
“Faz tempo que estamos denunciando que as políticas emergenciais não são suficientes e que é preciso sair da lógica emergencial, de albergues, e pensar saídas mais definitivas, como moradia.”
O debate por um reforço na busca ativa pelas pessoas e por mais políticas mais permanentes também acontece no Judiciário. Em 22 de novembro, durante uma audiência no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 976, o ministro Alexandre de Moraes, que é relator da ação, sugeriu que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) faça um mutirão para cadastros.
A ação proposta pelos partidos PSOL e Rede Sustentabilidade e pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) pede medidas para reduzir as “condições desumanas” às quais essas pessoas são submetidas.