Por Folhapress
O número de suicídios de jovens cresceu no Brasil nos últimos anos. De 2016 para 2021, a taxa de mortalidade por cem mil relacionada a essa causa aumentou 45% na faixa de 10 a 14 anos (de 0,92 para 1,33) e 49,3% na de 15 a 19 anos (de 4,40 para 6,56).
No mesmo período, a taxa na população geral variou 17,8% (de 5,6 para 6,6).
Os dados são do Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, que ressalta ainda que as informações do ano passado são preliminares.
Para a pasta, a situação no país mostra-se preocupante, mesmo tom expressado por especialistas.
O ministério afirma que estimativas indicam tendência de aumento de suicídio de adolescentes no país nos últimos 20 anos, na contramão das estimativas globais.
Os dados referentes a jovens põem o país na 96ª posição em um ranking de 204 países e territórios, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde). Quando considerada a população como um todo, o país ocupa a 155ª posição, bem abaixo da média mundial.
“Se o crescimento de casos está assim [acentuado], significa que a base do ‘iceberg’ também está maior, o que ilustra que a saúde mental dos jovens está muito ruim. Não é um fenômeno isolado”, afirma o psiquiatra Rodrigo Bressan, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Coordenador de uma pesquisa em escolas em São Paulo e Porto Alegre para avaliar a saúde mental dos estudantes, ele considera que as autoridades de saúde e de educação devem tomar algumas ações para deter o crescimento de casos de suicídio.
“A primeira coisa é melhorar o acesso aos serviços de saúde mental, que podem ajudar a tratar depressão, ansiedade, autolesão, cuidado individual, alguns dos fatores que podem se relacionar ao ato final. A outra é falar sobre, melhorar a comunicação, pois o preconceito é o maior empecilho para tratar saúde mental.”
Ainda de acordo com o levantamento do ministério, o aumento de casos foi mais expressivo entre adolescentes do gênero feminino do que do masculino -embora nos números gerais, a taxa continue maior entre eles do que entre elas.
Enquanto entre os meninos de 10 a 19 anos a taxa passou de 3,8 para 5,1 (34% a mais) nesse período, entre as meninas cresceu de 1,6 para 2,9 (77% a mais).
“Os jovens estão adoecendo porque muitas vezes se sentem solitários, vivem uma cultura do medo, junto a uma cultura nas redes sociais de busca por um ideal”, afirma Julieta Jerusalinsky, psicanalista do Instituto Travessias da Infância e professora da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo.
“Quando há algo numericamente tão significativo [como as taxas de suicídio], precisamos interrogar o que isso nos diz como um sintoma coletivo”, acrescenta ela.
Bressan afirma que, por ser algo considerado evitável do ponto de vista de saúde pública, a melhora nos índices de mortalidade por suicídio precisa passar, principalmente, por campanhas de conscientização e de prevenção.
“A prevenção não é no sentido de estigmatizar ou dizer que os familiares ‘não viram os sinais’, mas de falar sobre para, aos primeiros indicativos, reconhecer e ajudar. Isso ajuda a reduzir os números”, diz ele.
Nos Estudos Unidos, onde o suicídio é a segunda principal causa de mortalidade em jovens de 10 a 19 anos, o governo vem trabalhando para diminuir esses índices. No último dia 11, a Força-Tarefa para Serviços Preventivos publicou uma resolução demonstrando benefício em fazer inquéritos escolares para identificar depressão e risco de suicídio em adolescentes de 12 a 18 anos, mas sem benefício evidente para crianças com menos de 11 anos. O inquérito é feito por meio de um questionário direcionado a alunos e professores para avaliação da saúde mental.
O psiquiatra, no entanto, vê esse tipo de inquérito como controverso, pois além de ter muitas questões para as quais os jovens podem não responder de maneira verdadeira (gerando falsos positivos), pode também inflar artificialmente os números. Ele ressalta, porém, que ajuda na identificação de jovens depressivos.
A mesma visão é compartilhada por Jerusalinsky, que diz acreditar que a saúde mental não é algo a ser tratado individualmente, pois está inserida no esteio coletivo. “Quando os jovens dizem que não entendemos o que é ter passado pela pandemia como adolescentes de fato não sabemos. Precisamos ouvi-los mais, dar-lhes voz e ajudá-los também a passar por essa mudança, para que eles possam sair da solidão.”
De acordo com o boletim do Ministério, os casos de suicídio em jovens na pandemia apresentaram aumento, mas não de forma linear. No primeiro trimestre de 2020 houve uma estabilização das taxas em relação a 2019, com uma pequena redução no último trimestre de 2020, tendência que se refletiu em outros países durante o primeiro ano da pandemia.
Já em 2021, esses índices passaram a subir, embora os números do último ano ainda sejam preliminares. Apesar de não ter sido observado no país aumento de casos de suicídio entre jovens no início da pandemia de Covid, o ministério afirma que é preciso manter o monitoramento do cenário, uma vez que o impacto da crise sanitária na saúde mental dos jovens tende a ser visto a longo prazo.
INDÍGENAS
Na comparação entre as unidades federativas, os três estados que apresentam as maiores taxas de mortalidade em adolescentes por suicídio são Roraima (12,75 por cem mil), Mato Grosso do Sul (10,71) e Amazonas (7,57).
Segundo Bressan, as altas taxas de suicídio nas regiões Norte e Centro-Oeste podem ser explicadas pela incidência elevada desses casos nas populações indígenas.
“São populações que vivem próximas a centros urbanos, podendo apresentar choques culturais”, explica o pesquisador, que cita o alcoolismo como um dos fatores que podem estar por trás da alta taxa de suicídio em jovens indígenas.