A Bahia tem a maior população quilombola recenseada do Brasil. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no primeiro mês de coleta do Censo 2022, entre 1 e 29 de agosto, 116.437 mil pessoas se auto identificam como quilombolas.
Elas representam 2,2% de todos que já foram recenseados no estado e 3 em cada 10 dos quilombolas recenseados em todo o país, que correspondem a 30,1% de um total de 386,7 mil pessoas.
Apesar de estar na 13ª edição, essa é a primeira vez que o Censo Demográfico vai retratar a realidade dos quilombolas e das suas comunidades. O levantamento inédito, que vai ocorrer até o final de outubro, busca trazer dados oficiais sobre quantos são, onde estão e como vivem essa população no país. Para a pesquisadora do Grupo de Trabalho de Povos e Comunidades Tradicionais, Daiane Ciriaco, o Censo é um trabalho essencial e traz uma grande expectativa para a coleta de informações.
“Sabemos a importância da realização do Censo para tirar a invisibilidade dessa população. É importante que os quilombolas sejam retratados. Se você não é contabilizado, você não existe para o Estado. O Censo vai contribuir para a criação e manutenção de políticas públicas. É uma reparação histórica de planejamento e projeção para o futuro. O IBGE tem a missão de retratar o Brasil como um todo e dar visibilidade a esses grupos que não estão representados”, afirma.
Com pesquisa focada nas Arquiteturas Afro-brasileiras, o professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Fábio Velame, explica que as comunidades quilombolas fazem parte de uma narrativa histórica que precisa ser reconhecida e resgatada. “Há um ideal do período escravocrata e pós abolição que os quilombos são localidades afastadas no meio do mato, mas a realidade é diversa. A maioria dos quilombos surgiram próximos às cidades, que chegaram até a contemporaneidade e a expansão urbana foi envolvendo essas comunidades”, pontua.
Ao falar sobre a importância do reconhecimento dos quilombolas no Censo, o professor ainda destaca que a população resiste ao racismo estrutural com as vivências de um projeto coletivo ancestral nas suas comunidades. “Temos um conjunto de quilombos de resistência que mantém práticas culturais e ancestrais pela manutenção do território. É fundamental trazer indicadores para pensar em políticas públicas para essas comunidades e fazer uma reparação histórica”, ressalta o professor.
Processo
Ainda de acordo com a pesquisadora, Daiane Ciriaco, o recenseamento, por se tratar de ato administrativo do Estado brasileiro com impacto na população quilombola, está em conformidade com a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Por isso, o IBGE realizou consultas desde 2018 quando foi apresentada de que forma seria a inserção e os primeiros resultados dos testes sobre o questionário que poderia ser usado para retratar essa população.
“O trabalho voltado para o Censo da população quilombola vem sendo desenvolvido há seis anos. Fizemos vários estudos, mapeamos em conjunto com outras instituições e entidades representativas para trazer dados e dar conta das questões dessas comunidades. É uma demanda interdisciplinar, que faz uma articulação entre os temas. É um momento importante de inclusão e retratação da realidade da população quilombola”, explica.
Conforme a Convenção 169 e as práticas de produção estatística, o IBGE considera a auto identificação da pessoa quilombola, assim como sobre as pessoas ausentes no domicílio no momento do recenseamento. Nas áreas mapeadas, os recenseadores iniciam o questionário com as perguntas: “Você se considera quilombola?” e “Qual o nome da sua comunidade?”. Os pesquisadores dispõem de uma lista com a delimitação das localidades, mas se outros nomes forem indicados nas áreas, eles também podem ser registrados. Além das duas perguntas, todos os domicílios nas localidades quilombolas respondem ao questionário completo do Censo.
Para o instituto, a definição de comunidade quilombola está de acordo com o Decreto 4887 de 2003, que define que comunidade quilombola são “grupos étnico-raciais de auto atribuição com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”.
Preparação dos recenseadores
Segundo o IBGE, os recenseadores que atuam em áreas quilombolas receberam um treinamento específico sobre Povos e Comunidades Tradicionais. O instituto ainda buscou estimular que pessoas das próprias comunidades trabalhassem nesses locais. Antes de iniciar a coleta de informações, representantes do IBGE realizam reuniões de abordagem com as lideranças locais em todas as comunidades quilombolas. O objetivo é destacar a importância do Censo e solicitar apoio para a adesão da população.
Localidades quilombolas na Bahia
Além da grande concentração, as localidades quilombolas estão espalhadas pelo estado baiano. Segundo a preparação da Base Territorial do Censo, em 2019, foram contabilizadas 1.046 áreas na Bahia, que correspondem a 17,5% das 5.972 registradas em todo o Brasil.
Ainda de acordo com o IBGE, das 417 cidades baianas, 245 têm ao menos uma localidade quilombola, incluindo Salvador. Na capital, elas estão em maior número na Ilha de Maré. No levantamento, foram identificadas sete localidades quilombolas na região: Bananeiras, Botelho, Itamoabo Neves, Maracanã, Praia Grande, Porto das Caravelas e Santana.
Já os municípios baianos que lideram em número de localidades quilombolas são:
Vitória da Conquista, com 28; Campo Formoso, com 25; Bom Jesus da Lapa, com 23; América Dourada, Bonito e Seabra, cada um dos três com 19 localidades.
Ações e garantia de direitos
Com o objetivo de fortalecer e garantir os direitos das comunidades quilombolas na Bahia, a Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) informa que tem desenvolvido ações voltadas para essa população nos últimos anos. “A pasta tem, dentre as suas missões institucionais, a articulação e execução da Política Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, juntamente com outros órgãos estaduais que também atuam neste campo”, diz em nota.
De acordo com a Sepromi, as ações estão relacionadas à promoção da qualidade de vida das comunidades quilombolas através da inclusão e reparação ao segmento, como investimentos em habitação, infra-estrutura e manutenção de políticas públicas. (A Tarde)