Investigação descobre preparativos para novo ‘dia do fogo’ em Mato Grosso

0
GrupoSCosta-350x250px

 

por Phillippe Watanabe | Folhapress

Porteira atingida por queimada que ficou fora de controle em uma fazenda as margens na rodovia Transamazônica, na zona rural de Apuí, no sul do Amazonas – Lalo de Almeida – 20.ago.2020/Folhapress

A investigação sigilosa é uma ação conjunta do Gaeco Ambiental (Grupo de Atuação Especial A Contra o Crime Organizado), Promotoria de Justiça de Colniza, Dema (Delegacia Especializada do Meio Ambiente), Delegacia Regional de Juína, Delegacia de Colniza, GOE (Grupo de Operações Especiais), Batalhão de Proteção Ambiental da Polícia Militar e da Sema (Secretaria de Estado do Meio Ambiente), de Mato Grosso.

Os policiais apreenderam armas de fogo (houve prisão em flagrante de quem as portava, mas o número de detidos não foi divulgado), material destinado a queimas, inclusive luvas de proteção térmica, e celulares e computadores. Desde o início da operação, já foram lavrados 18 autos de infração por desmate ilegal.

As investigações, que tiveram início no ano passado, identificaram que uma parte importante dos incêndios ocorreria na região da fazenda Bauru (Magali), em Colniza, uma área de disputa fundiária, marcada por ocupações, conflitos e confronto judicial. A ideia era que os focos de incêndio simultâneos dificultassem a identificação de autores do crime.

O uso de fogo em Mato Grosso está proibido de 1º de julho até 30 de outubro, por se tratar de período seco em que há maiores riscos de incêndios fora de controle.

Os proprietários que arquitetaram o novo “dia do fogo” também planejaram usar laranjas para se afastar dos crimes. Foram feitos contratos de gaveta simulando a transferência de pedaços de terra. Os donos fictícios eram as mesmas pessoas contratadas para fazer as queimadas que limpariam a área. Dessa forma, caso ocorresse algum problema com a Justiça, os proprietários de fato não apareceriam. Contratos simulados também foram apreendidos na operação Jomeri.

Segundo informações do Ministério Público de Mato Grosso, as propriedades investigadas totalizam uma área superior a 300 mil hectares, equivalente a mais de 1.800 parques Ibirapuera (cartão-postal da cidade de São Paulo). Cerca de 50 mil hectares —o que equivale a cerca de 315 parques— já foram derrubados nessas fazendas.

A Promotoria já entrou com pedidos de reparação socioambiental no valor de R$ 421 milhões pelos desmatamentos realizados.

Os investigados podem ser acusados por associação criminosa, desmate e queima ilegais.

MILHARES DE FOCOS

Apesar da ação que conseguiu impedir uma queima coordenada, a cidade de Colniza ainda tem números expressivos de queimadas. Só neste mês de agosto, até esta sexta (26), houve 1.164 focos de calor detectados pelos sensores do Inpe. A cidade amazônica concentra 4% dos 26.553 focos de queima registrados na Amazônia.

No início do mês, Colniza apresentava menores números de focos de calor, que ficaram mais expressivos especialmente a partir de 11 de agosto, chegando ao pico (até o momento) de 184 queimadas no município no dia 22.

Foi também no dia 22 que as queimadas expressivas em diversas outras cidades produziram o maior número de focos de incêndio para um único dia de agosto desde 2002. Foram 3.358 registros de queima, segundo o Inpe.

A cidade líder de queimadas nesse dia foi Apuí (AM), com 357 focos. Colniza aparece na sexta posição do ranking.

Os meses de agosto e setembro costumam ser os mais críticos para queimadas no país e na Amazônia. As médias de pontos de calor para esses meses superam dezenas de milhares de focos.

Vale ressaltar que as queimadas estão associadas ao desmatamento. Em geral, proprietários de terras derrubam a mata, deixam que a área desmatada seque e, em seguida, ateiam fogo no material orgânico destruído para “limpar” a propriedade.

Dessa forma, é comum que cidades com grandes áreas desmatadas também tenham elevados registros de queimadas.

Colniza, por exemplo, um dos municípios com muitas queimadas no país, registrou de agosto de 2020 a julho de 2021 (esse é o último dado mais preciso disponível) cerca de 267 km² de desmatamento, o que lhe rendeu o 8º lugar no ranking de desmate entre as cidades amazônicas. A área derrubada equivale a cerca de 168 parques Ibirapuera.