António Guterres, secretário-geral da ONU, comparou a emergência climática a um “suicídio coletivo”. A fala, a autoridades de 40 países reunidas em Berlim nesta segunda-feira (18), se deu em meio a ondas de calor e incêndios florestais na Europa que são uma lembrança nada sutil do problema.
Na França, por exemplo, termômetros em Nantes chegaram pela primeira vez na história a 42°C. Em Portugal, incêndios queimaram metade da cidade de Murça, onde um casal de idosos tentando fugir foi encontrado morto em um carro carbonizado. No Reino Unido, segundo o serviço meteorológico estatal, a terça (19) terá “temperaturas subindo muito rapidamente depois de uma noite bastante quente e desconfortável”.
“Metade da humanidade vive em zonas de perigo de inundações, secas, tempestades extremas e incêndios florestais”, afirmou Guterres, segundo relato do jornal britânico The Guardian. “Mas continuamos alimentando nosso vício em combustíveis fósseis; nós temos uma escolha: a ação coletiva ou o suicídio coletivo.”
Representantes de governos estão reunidos no Diálogo Climático de Petersberg, conferência organizada pela Alemanha. O objetivo é estreitar as negociações e pressionar as autoridades por metas mais ambiciosas para a COP27 (conferência climática da ONU), prevista para ocorrer em novembro, no Egito.
As tratativas esbarram no recuo de planos provocado, entre outros fatores, pela Guerra da Ucrânia. O governo do anfitrião Olaf Scholz, por exemplo, anunciou em junho que iria reiniciar usinas de carvão para economizar gás natural e diminuir a dependência do produto russo.
A mensagem do encontro, porém, é de progresso. “A crise climática é a questão de segurança mais séria do nosso tempo”, escreveu a ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock. “Muito dano já foi causado; agora é hora de agir.”
Do lado de fora das salas climatizadas da conferência, qualquer ação se deu sob muito calor e consequências severas das mudanças climáticas. Na Inglaterra, pela primeira vez o serviço nacional de meteorologia prevê temperaturas acima dos 40°C, para esta terça, e o governo disparou um alerta de emergência nacional.
Se alcançada, a temperatura será um recorde para o Reino Unido: a cifra mais alta já registrada foi de 38,7°C, em Cambridge, há exatos três anos. O País de Gales já bateu sua marca nesta segunda, com os 35,3°C de máxima nos arredores de Aberystwyth, no oeste.
Londres acionou o nível de alerta 4, que indica que a onda de calor pode ter impactos além da saúde, com consequências para os sistemas de transporte, por exemplo.
No aeroporto de Luton, na região da capital, as operações foram suspensas depois de o calor provocar um dano na pista —o asfalto derreteu também em uma base militar. Em Londres, a administração local “embrulhou” em uma espécie de papel alumínio a estrutura da ponte Hammersmith, de modo que luz seja refletida e as altas temperaturas não obriguem ao fechamento da passagem, usada por pedestres e ciclistas —em 2020 rachaduras foram detectadas na construção de 135 anos em uma época quente.
Escolas ficaram fechadas e, diante de possíveis perturbações, várias empresas de trens pediram que os usuários evitassem as viagens.
Penny Endersby, diretora do serviço de meteorologia britânico, citou à rede BBC estudos que mostram que, sem as mudanças climáticas, inexistiriam chances de o clima no Reino Unido chegar à casa dos 40°C. Ela acrescentou que, ao final deste século, o fenômeno poderá ser esperado novamente —uma vez a cada 3 anos ou a cada 15, “a depender das decisões que tomarmos a partir de agora”.
Na Espanha, os até aqui oito dias de onda de calor levaram a mais de 510 mortes diretas e indiretas, de acordo com o Instituto de Saúde Carlos 3º. Na soma com números extraoficiais de Portugal, são mais de 1.000 óbitos até aqui.
Quase todo o país enfrenta risco extremo de incêndios, e na noite de domingo (17) um bombeiro morreu na província de Zamora. O premiê Pedro Sanchéz lamentou e agradeceu a todos os socorristas. “A mudança climática mata, estamos vendo isso”, disse, após visitar áreas atingidas. “Faremos das políticas ambientais uma questão de Estado.”?
A situação também é considerada grave na França, onde 10 mil pessoas tiveram de ser retiradas de casa nesta segunda por causa de incêndios. Por causa da fumaça, mais de mil animais do zoológico da baía de Arcachon, na costa sudoeste, precisarão ser retirados do local.
Além de Nantes, Brest registrou calor recorde nesta segunda, com 39,3°C.
Na Itália, onde incêndios menores ocorreram nos últimos dias, os meteorologistas também esperam temperaturas acima de 40°C em várias regiões nos próximos dias. Marcas semelhantes devem ser registradas na Holanda e na Bélgica, que decretaram “alerta laranja” para esta terça.
A Comissão Europeia, em relatório divulgado nesta segunda, alertou para o fato de que metade do território da UE corre o risco de seca devido à falta de chuvas. França, Romênia, Espanha, Portugal e Itália provavelmente terão queda na produtividade agrícola, disse o Executivo do bloco