A nova proposta apresentada pelo governo para tentar baixar os preços dos combustíveis “tem viés eleitoreiro, não é sustentável no longo prazo e pode até mesmo não garantir uma reversão da alta dos preços da gasolina e do diesel”, apontam especialistas em economia.
O presidente Jair Bolsonaro anunciou nesta segunda-feira (6) que o governo federal aceitará ressarcir os Estados pelas perdas de arrecadação com o projeto de lei que estabelece uma alíquota máxima para o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre os combustíveis.
O acordo valeria até 31 de dezembro a um custo entre R$ 25 bilhões e R$ 50 bilhões, limitado ao montante de uma arrecadação extraordinária ainda não detalhada e lançada no Orçamento. Entre os recursos que poderiam ser usados estariam o da privatização da Eletrobras.
A nova proposta chega a quatro meses da eleição e em meio ao desgaste provocado pela disparada dos preços dos combustíveis e inflação persistente que há 9 meses segue rodando acima dos dois dígitos.
“Receita extraordinária não existe ainda”
Para Roberto Dumas, economista-chefe do Voiter e professor de economia do Insper, a proposta traz riscos ficais e é temerária, uma vez que as receitas extraordinárias citadas pelo governo ainda não estão garantidas.
“É estranho fazer justamente num ano eleitoral. É benéfico, sim é benéfico. Mas ele é muito frágil. Ele é muito frágil porque não existe essa receita extraordinária”, afirma. “Ainda não foi feita a privatização da Eletrobras, não existe essa outorga. Estão colocando o carro na frente dos bois”.
Para o economista, trata-se de uma proposta frágil e cercada de riscos, uma vez que não há garantias de que evitará novos reajustes nos preços dos combustíveis nas refinarias.
“Se a guerra continuar, o preço do petróleo aumenta e toda essa receita extraordinária vai por água abaixo e depois o aumento do preço do combustível não se tornará uma realidade, e você gastou de R$ 25 a 40 bilhões num ano que, a despeito de achar que está ajudando, pode acabar não ajudando em nada”, diz.
“Não vai se suficiente para reverter o quadro de preços elevados”
Para Roberto Padovani, economista do banco BV, só cortar impostos ou controlar um teto para o ICMS não vai ser suficiente para reverter o quadro de preços elevados dos combustíveis, uma vez que os preços internacionais do petróleo seguem em patamares elevados em razão dos impactos da guerra na Ucrânia e também em razão da perspectiva de câmbio mais pressionado neste segundo semestre.
“Talvez consiga mitigar um pouco os efeitos e evitar um dano ainda maior, mas certamente não são medidas que revertam o quadro inflacionário. A gente estimou, no banco, talvez esses impactos produza uma inflação mais baixa, em 1%. Mas o fato é que a inflação está rodando em 9%. Então, eu não sei se isso vai ser percebido de maneira muito importante”, avalia.
Vale lembrar que a Petrobras tem segurado os preços do diesel e gasolina, evitando repassar automaticamente as variações do mercado internacional e do câmbio.
Balanço desta terça-feira (7) da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom) mostra que os preços praticados pelas refinarias da Petrobras estão com uma defasagem média de 15% para a gasolina e de 13% para o diesel na comparação com os valores de referência nos mercados internacionais.
Mais pressão para a taxa de juros
Para Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset, diante da impossibilidade de alterar a política de preços da Petrobras, “o governo busca alternativas nada ortodoxas” para tentar reduzir os preços dos combustíveis.
“O impacto desinflacionário de curto prazo seria inegável, porém o custo fiscal e ao resultado do Tesouro certamente pressionarão ainda mais os juros no Brasil’, alerta.
Segundo os analistas, os riscos da proposta para as finanças públicas pode também colocar ainda mais pressão na taxa de câmbio, podendo dificultar também a tarefa do Banco Central de trazer a inflação para dentro da meta.
“Se a gente aumentar a dívida pública, isso acaba batendo no dólar, porque isso aumenta as incertezas no mercado financeiro e, portanto, acaba justamente cancelando parte do benefício que a gente teria em relação aos preços de combustíveis. É uma situação complicada, uma situação global, mas eu acho que o que foi anunciado ontem ainda é muito cru”, destacou Padovani.