Ômicron pode ter surgido e evoluído de roedores, investigam cientistas

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Variante Alfa do coronavírus em imagem de microscópio elétrico. Foto: NIAID/NIH

Uma nova hipótese sobre o surgimento da Ômicron está sendo levantada por cientistas: cepas anteriores do coronavírus teriam sido passadas de humanos para roedores e, no corpo desses animais, sofrido uma série de mutações e voltado a infectar pessoas, já como Ômicron.  A teoria sugere que algum tipo de animal, potencialmente um roedor, teria sido infectado com o vírus Sars-CoV-2 em meados de 2020. Nessa espécie, o vírus evoluiu, acumulando as mutações antes de voltar a infectar as pessoas, agora em 2021.

O fato de o coronavírus ser capaz de infectar animais sustenta a nova hipótese dos cientistas. Desde o início da pandemia, há relatos de cães e gatos sendo contaminados pelo vírus, além de visons, roedores e veados de cauda branca. Em novembro do ano passado, vários visons foram sacrificados na Dinamarca e na Holanda após constatarem que o coronavírus pulou de humanos para esses animais, se espalhou entre eles, e pulou de volta para humanos.

Robert Garry, professor de microbiologia e imunologia da Escola de Medicina da Universidade de Tulane, de Nova Orleans, nos EUA, trabalha rastreando as mutações do coronavírus que surgiram desde o início da pandemia. Ele observou que há sete delas associadas à adaptação de roedores. As mudanças pareciam permitir que o vírus infectasse camundongos, ratos e espécies relacionadas. Todas as sete mutações identificadas por Garry estão presentes na Ômicron. Ele diz que, se a nova variante se desenvolveu em um hospedeiro animal, sua aposta seria nos roedores.

O geneticista Salmo Raskin, diretor do Laboratório Genetika, de Curitiba, diz que essa hipótese de zoonose reversa é possível, já que há outros vírus que usam animais como reservatório para sobreviver e se mutar, antes de voltar a afetar os seres humanos.

— Já vemos isso no vírus da influenza, que usa aves e porcos como reservatórios animais. Esse foi um dos motivos que tornou a gripe uma doença endêmica, porque o vírus salta dos animais para os humanos. Por isso, não conseguimos acabar com a influenza, nem com as mutações que acontecem nela, trazendo a necessidade de tomarmos a vacina todos os anos — afirma.

Segundo o especialista, se essa teoria se confirmar para o coronavírus, as chances de cessar a circulação do vírus pelo mundo — que já eram baixas — diminuem ainda mais, já que haverá risco de que novas cepas surjam nesses reservatórios animais e saltem para os humanos, criando novas ondas de Covid-19. Muito provavelmente a origem da Ômicron será descoberta em questões de meses.

Por outro lado, Raskin explica que as pressões evolutivas pelas quais os animais passam são diferentes (normalmente mais amenas) das ocorridas nos humanos e isso significa que o coronavírus, quando infecta um animal ou uma pessoa, enfrenta cenários diversos para sobreviver, logo, as mutações também são distintas. Teoricamente, um vírus que se adapta para infectar animais seria potencialmente mais fraco para o ser humano.

— A princípio, as mutações que surgem nos animais não deveriam ser adaptadas aos seres humanos (ou seja, causarem grandes prejuízos para a saúde). Porém, a preocupação maior dos cientistas é a combinação das mutações. Porque como em animais as pressões seletivas são menores, eles poderiam gerar variantes com combinações de mutações. E as mutações podem interagir. Essa interação pode resultar em algo pior para o ser humano, ou não — detalha Raskin.  — O animal, além de ser um reservatório, permite essas constelações de mutações. Mas aí, você não sabe se elas realmente vão se adaptar ao ser humano ou não. É uma “loteria”.

A Ômicron tem se mostrado mais transmissível e com maior possibilidade de reinfecção (pode afetar pessoas que já foram diagnosticadas com Covid-19 anteriormente). No entanto, ainda não há relatos de mortes ou doença grave, o que sugere que a nova variante seja adaptada para infectar e não matar os hospedeiros e isso é tudo que um vírus almeja, pois precisa do hospedeiro vivo para sobreviver. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, há mais de 400 casos confirmados para a nova cepa em pelo menos 21 países.

Os sintomas são leves, marcados principalmente por cansaço, dores no corpo e garganta arranhando. Estudos buscam descobrir se a Ômicron é capaz de escapar da proteção conferida pelas vacinas criadas até agora contra a Covid-19. Há relatos de infectados pela nova cepa que já haviam tomado um dos imunizantes contra o vírus.

Outras hipóteses

Até então, a primeira hipótese de surgimento da Ômicron era de que ela teria sido originada em um paciente imunocomprometido, que passou um longo período infectado pelo coronavírus, dando tempo de ele sofrer as mutações que apresenta agora. O sistema imunológico comprometido — comum em pessoas com leucemia, distúrbios genéticos hereditários ou tratamento com agentes imunossupressores (ou seja, em pacientes com câncer ou transplantados) ou por causa da infecção por HIV — combate com menos força o coronavírus, dando a ele a possibilidade de encontrar mecanismos de sobreviver e se adaptar.

Cerca de 8,2 milhões de pessoas vivem com HIV na África do Sul, o equivalente a 13,7% da sua população. Somado a isso, apenas 25% dos sul-africanos estão totalmente vacinados contra a Covid-19. Por conta desse cenário, Raskin acredita que essa possa ser a principal hipótese para o surgimento da Ômicron.

Outra teoria para o surgimento da nova variante é de que cepas intermediárias, que já apresentavam algumas das mutações presentes na Ômicron, estivessem circulando há algum tempo pelo mundo e não foram identificadas por causa da baixa vigilância genômica.

— A Ômicron mostrou como é importante mantermos a vigilância epidemiológica mesmo em momentos de baixa circulação do vírus, porque a tendência é parar de fazer testes quando os casos caem. Mas isso é um grande perigo, porque de repente somos surpreendidos com uma variante que apresenta mais de 50 mutações e nós nem estávamos preocupados com essa situação — finaliza Raskin. Via O Globo